terça-feira, 30 de janeiro de 2018

"Economia global volta a crescer, mas desigualdade é desafio", por Jared Bernstein

O Globo

As empresas têm obtido lucros recordes, e o salário médio ficou estagnado. Falta uma política que beneficie os dois lados



Mesmo em meio às incertezas políticas, tanto os EUA quanto a economia global estão vivendo um momento de otimismo. O que John Maynard Keynes chamou de “espírito animal” — a confiança de consumidores e empresários — está robusto. E isto não é um fato trivial. Psicologia positiva, sentimentos e expectativas influenciam resultados econômicos, ajudando a produzir tendências positivas em investimento e gastos do consumidor que, por sua vez, ajudam a gerar empregos e lucros.

Até onde vai, tudo isso é bom, mas o problema é que não vai longe o suficiente. Esta discussão deve distinguir entre macro e micro, e esta distinção corre o risco de se perder na euforia.

Colocado de forma simples, dada a forma como a desigualdade está entranhada na nossa economia e no sistema político, não podemos contar com um crescimento global suficiente, ou macroeconômico, para alcançar os lares de renda baixa e média. Tal expansão, evidentemente, é necessária e essencial à possibilidade de uma prosperidade amplamente compartilhada. Mas sem iniciativas políticas para garantir que o crescimento alcance aqueles que ficaram para trás, é provável que ela seja insuficiente.

O exemplo mais óbvio da divisão entre crescimento e bem-estar econômico é a euforia dos mercados de ações. O presidente Trump e sua equipe repetem insistentemente sobre a alta das Bolsas (embora esta tendência tenha começado no período anterior à chegada deles à Casa Branca), mas 84% de seu valor estão nas mãos dos 10% mais ricos; e 40%, entre o 1% mais próspero. Cerca de metade dos lares sequer possui ações (esses números incluem participações acionárias por meio de pensões e aposentadorias).

Para ficar claro, reconheço que estou olhando uma pedra já revolvida por muitos outros.

Muito já foi escrito sobre desigualdade e muitos, corretamente, a relacionam à nossa atual situação política. Esta dinâmica ultrapassa a simples, porém profunda, divisão entre crescimento e renda da classe média. Inclui a desigualdade de poder e influência, em que, historicamente, altos níveis de desigualdade de riqueza interagem com dinheiro usado na política que resulta numa democracia crescentemente não representativa.

Mas, nas últimas semanas, temo, estamos perdendo este fio. “Crescimento global sincronizado” — o fato de que pela primeira vez, em anos, a maioria das economias está apresentando taxas sólidas de crescimento —, que, por favorecer acionistas corporativos, empresas multinacionais e herdeiros de ricas propriedades, vai exacerbar a desigualdade — está sendo louvado amplamente, daqui a Davos, na Suíça, no Fórum Econômico Mundial, onde a elite global se reuniu recentemente. Observe-se o tema de sua conferência, “Criando um futuro compartilhado num mundo fracionado”, que claramente invoca o problema da desigualdade. Apesar disso, o tema central da participação de Trump foi o corte de impostos e o mercado acionário, e a maior parte da elite presente engoliu suas palavras.

Aqui nos EUA, tenho lido artigos com chamadas na primeira página garantindo que o corte de impostos está “reverberando nas empresas americanas”, com seus efeitos “atravessando escritórios e salas de diretoria, com pequenas e grandes companhias enxugando velhos projetos, reavaliando planos e explorando novos investimentos em fábricas e equipamentos”. Isso soa como o trickle-down em ação (a teoria econômica que afirma que a redução de impostos e outros benefícios a empresas e investidores acabam estimulando a economia como um todo), mas não será, de fato, se não alcançar os trabalhadores. Aliás, as empresas vêm tendo lucro recorde, ao passo que a média salarial estagnou. Esses resultados estão ligados: a lucratividade foi ampliada devido ao corte de custos trabalhistas.

E o que dizer dos bônus salariais de que tanto ouvimos falar? Não seria uma prova evidente do efeito trickle-down do corte de impostos?

Definitivamente não. Não se pode confundir relações públicas com economia. Como apontou o “New York Times”, o Walmart “diz que vai investir US$ 700 milhões em bônus e altos salários para caixas, motoristas e outros trabalhadores em regime de hora. Esta é uma soma arredondada, mas a empresa está gastando bem mais — US$ 4 bilhões — para comprar de volta suas ações, o que vai beneficiar seus investidores ao elevar a cotação das ações”. A cadeia de eventos prometida pelos defensores dos cortes de impostos corporativos foi a de lucros maiores, mais investimentos, maior crescimento de produtividade e média salarial maior. Mas, à exceção dos lucros, cada eixo dessa cadeia se mostrou tênue.

Ganhos salariais reais e duradouros para os trabalhadores de classe média — em contraste com o pagamento único de bônus salarial — não serão impulsionados pela generosidade corporativa, mas por apertados mercados de trabalho que desafiem o dominante modelo de contenção dos custos trabalhistas. O ponto determinante do salários é o poder de barganha, e esta é sempre uma força maior com baixo desemprego. É verdade que desigualdade e estagnação salarial estão tão profundamente entranhados que os salários da classe média têm demorado a reagir à atual expansão. Mesmo assim, há sinais de que as condições de quase pleno emprego estão tendo o seu tradicional e saudável efeito de forçar relutantes empregadores a elevar suas ofertas salariais.

Não há, é claro, nada errado com o crescimento global, bônus salariais, produtores otimistas e até mesmo investidores felizes em Davos. O que está faltando é uma política que reconecte este quadro ao grupo bem maior daqueles que estão do lado errado da desigualdade.

Jared Bernstein, economista-chefe do ex-vice-presidente Joe Biden, é pesquisador sênior do Center on Budget and Policy Priorities