
Bruno Salvador - O Globo
RIO E LIMA - A decisão de dar indulto ao ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000) fez o atual mandatário do Peru, Pedro Pablo Kuczynski (PPK), sofrer com protestos e renúncias em sua base aliada. Em pleno dia de Natal, ao menos quatro deputados de sua bancada decidiram renunciar ao governismo, enquanto manifestações tomaram o centro de Lima.
Em minoria num Congresso cuja força principal é o fujimorismo, o presidente perdeu quatro de seus 18 deputados (o Parlamento tem 130). Vicente Zeballos (líder da bancada), Alberto de Belaunde e Gino Costa anunciaram na segunda-feira suas renúncias em protesto pela decisão, enquanto Carlos Basombrío declarou dias antes sua saída da bancada governista por causa das implicações de PPK com o caso Odebrecht, do qual escapou de um impeachment-relâmpago com a ajuda da bancada fujimorista.
A concessão de um indulto humanitário ao ex-líder, que cumpria 25 anos de prisão por crimes de corrupção e contra a Humanidade, foi muito contestada. Manifestações contrárias marcaram a atípica véspera de Natal — com confrontos entre a polícia e mais de 200 jovens que tentaram marchar até o Palácio do Governo com fotos de algumas das vítimas da repressão sob Fujimori. Diante de uma grande marcha convocada em Lima contra a decisão do presidente e ruas ocupadas no centro da capital na segunda-feira, o governo fechou todos os acessos à Praça de Armas, principal espaço público da capital e onde está a sede do Executivo federal.
— Traidor! — gritavam manifestantes no centro de Lima segurando fotos das vítimas e com cartazes chamando Fujimori de 'assassino' e 'ladrão'. — Fora, PPK!
Na noite da véspera de Natal, PPK anunciou o indulto humanitário por razões de saúde a oito pessoas, dentre elas Fujimori — que, aos 79 anos, sofre com problemas de saúde e é frequentemente internado por hemorragias, hipertensão e decorrências de um câncer na língua. Dentre as razões citadas por uma junta médica penitenciária que examinou Fujimori no dia 17, um indulto seria justificado pelo tumor, a fibrilação auricular, as crises hipertensivas, a cardiopatia e o hipotireoidismo. No dia 23, Fujimori havia sido levado para uma clínica após sofrer arritmia cardíaca e queda na pressão arterial. “As condições carcerárias representam um sério risco para sua vida, saúde e integridade”, avaliou a junta.
“Gostaria de agradecer em nome da família Fujimori o presidente Pedro Pablo Kuczynski pelo nobre e magnânimo gesto de conceder ao meu pai Alberto Fujimori um indulto humanitário”, pronunciou-se no Twitter o deputado Kenji Fujimori, filho do ex-presidente e tido por analistas como artífice da salvação de PPK na semana passada.

PPK afirmara em várias ocasiões que não concederia indulto a Fujimori — apesar de ter sinalizado com uma análise de um eventual pedido de indulto, durante o segundo turno das eleições de 2016, num aparente gesto para atrair mais simpatizantes do ex-mandatário.
Agora, analistas veem que o perdão estremeceu seu Gabinete, mesmo tendo acalmado a porção majoritária do Congresso.
— É evidente que houve uma troca da salvação do impeachment pelo indulto — avaliou à AFP o analista Mirko Lauer. — Estamos avançando a uma nova era de instabilidade.
Famílias de 25 mortos pelos “esquadrões da morte” do Exército no governo Fujimori ficaram inconformados com a concessão do indulto. Representantes legais querem anular a decisão presidencial apelando à Corte Interamericana de Direitos Humanos, avaliando que PPK extrapola suas faculdades constitucionais. Relator especial da corte, Edison Lanza acenou com a possibilidade, afirmando que “não se aprende mais na América”.
— Não é possível dar indulto a estes crimes — afirmou o advogado das vítimas, Carlos Rivera.

Diretor para as Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco afirmou que PPK “deixa de reafirmar que, em um estado de Direito, não há tratamento especial para ninguém”. Segundo ele, “ficará a ideia de que a libertação foi uma mera negociação política” em troca de sua salvação política.
— Estamos muito indignados, a sensação é basicamente de traição. Mal havia acontecido a bomba da implicação (de PPK) com a Odebrecht e a possibilidade de destituição, e em plena véspera de Natal nos surpreende com uma facada pelas costas libertando o maior vilão da história política do Peru — protestou ao GLOBO a especialista em relações internacionais Vanina Montalvo, que integrou uma frente de peruanos antifujimoristas no Rio durante as eleições de 2016. — Não permitiremos um novo assassinato da democracia. Não é possível que, 20 anos depois, as vítimas de Fujimori ainda tenham que implorar por justiça. Não iremos deixar o Peru passar essa vergonha diante do mundo todo. Vamos às ruas defender a democracia e a justiça.