sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

"Seremos imortais", diz o pesquisador José Luis Cordeiro, integrante da Academia Mundial de Arte e Ciência, diretor do Millennium Project e professor da Singularity University


Cilene Pereira - IstoE


O pesquisador venezuelano José Luis Cordeiro, 55 anos, vislumbra um bom futuro para a humanidade. Até 2045, a cura terá sido encontrada para doenças como câncer, Aids e Parkinson – algumas das mais incidentes no mundo – e o homem alcançará a imortalidade. “Poderemos ver o que chamo de ‘a morte da morte’”, afirma. Sua convicção se baseia no conhecimento que adquiriu ao longo de uma carreira dedicada a estudar as mudanças tecnológicas e de pensamento ocorridas nas últimas décadas. Cordeiro é integrante da Academia Mundial de Arte e Ciência, diretor do Millennium Project (iniciativa da ONU que reúne cientistas para pensar o futuro) e professor da Singularity University. A entidade fica no Vale do Silício, na Califórnia, onde estão algumas das principais empresas mundiais de tecnologia, e tem por objetivo criar recursos que melhorem a qualidade da vida. Recentemente, esteve no Brasil a convite da empresa AstraZeneca para falar sobre tecnologia em saúde. Nesta entrevista à ISTOÉ, ele explica como nos transformaremos em seres imortais.
Novas tecnologias chegam constantemente à área da saúde. Críticos do excesso de recursos do gênero temem que eles tornem a medicina menos humana. O que acha disso?
Penso o oposto. A tecnologia é o que faz as pessoas mais humanas. Quando não tínhamos nada, como na África milhares de anos atrás, éramos como animais. Por causa dos avanços tecnológicos, somos mais humanos e vivemos em um mundo melhor.
Mas os profissionais estão preparados para usá-la da melhor forma?
Existe uma grande disrupção em todas as indústrias, incluindo a de saúde. Muita gente não está preparada para ela e isso pode ser visto também em setores como transporte, educação e em governos. A disrupção vem da confluência de várias tecnologias. Pessoas que são treinadas de um jeito especifico podem não estar aptas para esse mundo novo. Mas nos adaptaremos.
Qual o papel da inteligência artificial nesse cenário?
O robôs parecem ser melhores do que o homem em muitos procedimentos. Eles tornam a medicina menos invasiva. Esses equipamentos podem trabalhar em uma escala menor dentro corpo. Nas cirurgias robóticas, não são necessários grandes cortes para que o erro possa ser corrigido. Os robôs também ajudam nas teleoperações e outras intervenções à distância. A medicina chega onde não chegava antes, como no meio da Amazônia.
O Watson, sistema de inteligência artificial criado pela IBM, mostra-se mais eficaz no diagnóstico de doenças do que os médicos. Por que?
Trata-se de um sistema muito sofisticado que pode deduzir coisas que um médico não consegue. Muito em parte pelo fato de ser continuamente atualizado com novos dados. É uma curva de aprendizado mais rápida do que a humana. Mas os robôs não substituirão os médicos. O objetivo é usá-los para melhorar a qualidade da medicina e o Watson é um exemplo disso. Eles irão complementar o trabalho humano. Por outro lado, os médicos precisam saber que devem continuar sempre aprendendo. As coisas mudam tanto atualmente e tão rapidamente que quando um estudante de medicina termina seu curso, hoje, muitas das informações que aprendeu lá no início podem não ser mais verdade. Foram substituídas por novos conhecimentos, incluindo por aqueles produzidos pela inteligência artificial.

A maioria dos recursos tecnológicos ainda é muito cara. Como avaliar a relação de custo/benefício de sua adoção, em especial em países pobres e em desenvolvimento?
Quando a tecnologia começou a aparecer com mais força, era muito cara e muito ruim. Assim que se tornaram populares, ficaram mais baratas e também muito boas. Podemos falar sobre o que aconteceu com os celulares. Quando foram lançados, eram caros e pouco eficientes. Hoje todos têm um aparelho desses, e em qualquer lugar do mundo. Outro exemplo é o sequenciamento do DNA humano. Foram necessários treze anos para que a ciência conseguisse fazer o primeiro deles. E o processo custou US$ 3 bilhões. Atualmente, é possível sequenciar o genoma humano por US$ 800, e em poucos dias. Em oito anos, esperamos sequenciar o DNA em um minuto, por US$ 10. Todos poderão ter seus genes decifrados. A medicina vai mudar radicalmente com tudo isso.

O que vai acontecer?
Provavelmente em uma ou duas décadas teremos disponíveis no mercado tratamentos que começarão a rejuvenescer biologicamente os indivíduos. Isso é realmente novo e algo que não era imaginado como possível apenas décadas atrás. A tecnologia mudará a forma como trataremos a saúde. Estamos prontos para barrar o processo de envelhecimento. As pessoas não ficarão velhas.
O ser humano será imortal?
Pode parecer radicalmente inacreditável, mas poderemos ver o que eu chamo de ‘a morte da morte’. Seremos capazes de curar o envelhecimento, de curar a morte. Alcançaremos a imortalidade.
Como será possível chegar a isso?
A ciência já conhece células que são biologicamente imortais. As células do câncer, por exemplo, são mutações de células normais que interrompem seu processo de envelhecimento. Isso é algo que poucas pessoas sabem: as células tumorais são biologicamente imortais. Quando concluirmos o sequenciamento genético dessas células, descobriremos quais são as alterações que param seu envelhecimento. Poderemos aplicar o conhecimento no desenvolvimento de tecnologias antienvelhecimento para o organismo todo. O câncer pode ser a arma secreta contra o envelhecimento.
Quais são as outras células com iguais características?
As germinativas (dão origem aos gametas) também são biologicamente imortais. Há ainda organismos que não envelhecem, como os seres do gênero Hydra. Isso prova que a imortalidade é possível. Precisamos entender como isso funciona e usar os mesmos princípios para o resto do corpo humano.
Atualmente há exemplos concretos de interrupção do processo de envelhecimento?
Um tratamento experimentado hoje é o que preserva o tamanho dos telômeros (Parte final dos cromossomos, eles diminuem de tamanho a cada divisão celular. Seu encurtamento gradativo prejudica o funcionamento dos genes, aumentando o risco para várias doenças). Há também terapias genéticas que se mostraram capazes de interromper o processo de envelhecimento biológico. Um exemplo disso é a transformação de células adultas, como as de pele, em uma célula com características semelhantes às de uma célula embrionária, completamente nova. Veremos mais coisas mágicas assim no futuro.
Quando a imortalidade será alcançada?
Costumamos dar a data de 2045. Até lá, teremos curado o envelhecimento e estaremos prontos para rejuvenescer as pessoas. Gosto de dizer que em trinta anos eu serei mais novo do que sou hoje porque teremos tecnologia antienvelhecimento. Se eu sobreviver nas próximas duas ou três décadas, terei à minha disposição tantos avanços na medicina! Pretendo ser mais jovem no futuro. Nunca se sabe o que pode acontecer, é verdade. Podemos morrer em um acidente, por exemplo. Mas sem dúvida interromperemos o processo de envelhecimento.
Chegaremos à cura do câncer, por exemplo?
Acredito que em dez, vinte anos, teremos a cura de todos os tipos de tumor. Isso ocorrerá graças ao sequenciamento do genoma humano, cada vez mais acessível, e às informações que ele fornecerá à medicina.
E em relação à cura da Aids? Acha igualmente possível que a ciência encontre uma solução definitiva contra o HIV, o vírus responsável pela doença?
Atualmente, os pacientes recebem um tratamento (coquetel anti-retroviral) que permite a eles viver com Aids. Ela se tornou uma enfermidade crônica, assim como a diabetes. Os doentes tomam seus remédios e sabem que não morrerão dessas doenças se fizerem tudo corretamente. Quando as drogas anti-HIV começaram a ser usadas, no final da década de 1980 (o primeiro remédio lançado foi o AZT, em 1987), elas eram incrivelmente caras. Atualmente podemos tratar um paciente com Aids com muito menos custo. No futuro, vamos curar a diabetes e a Aids.
Quando seria isso?
Todos esses progressos exponenciais que a ciência vem experimentando me possibilitam afirmar que a cura será possível em vinte anos. Vamos curar as duas doenças.

Na prática, no entanto, o controle de doenças crônicas é um dos grandes desafios da medicina. Há problemas como falta de adesão do paciente ao tratamento e o custo dos tratamentos, especialmente nos casos em que elas passam a dar complicações. Como superar isso?
Ao interrompermos o envelhecimento, impediremos o progresso da maioria das doenças associadas ao envelhecimento e também estaremos preparados para investir mais na prevenção dessas enfermidades. Haverá uma grande mudança no financiamento da saúde. Não estaremos financiando mais tratamentos para as complicações comuns nas etapas finais das doenças, mas investiremos para evitar seu surgimento.
O sr. acredita que esses princípios poderão ser aplicados inclusive à doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer?
Estou certo que sim. Iremos prevenir essas enfermidades também. Atualmente a medicina já realiza alguns experimentos bem-sucedidos para o tratamento dessas doenças. É importante olharmos para o tanto que a ciência avançou. Há cem anos, as pessoas morriam muito mais vítimas de parasitas, bactérias, vírus. Hoje, os índices de mortalidade por enfermidades infecciosas são bem menores, especialmente nos países desenvolvidos. E iremos avançar ainda mais radicalmente. Um dos pontos mais importantes da trajetória que teremos daqui em diante é que estaremos aptos a detectar as doenças antes que elas apareçam. A medicina do futuro não será curativa, mas preventiva. E não será uma medicina generalista. Será personalizada, aplicada de acordo com o conteúdo genético de cada pessoa. Será possível indicar tratamentos específicos para cada um.