domingo, 19 de novembro de 2017

"O que juízes não veem", por Paulo Solmucci

O Globo


As pessoas podem se empregar, com carteira assinada, em atividades de horários e dias flexíveis, com salário pago por hora



Uma parcela dos juízes, procuradores e auditores fiscais, integrantes da Justiça do Trabalho, deflagrou forte oposição à jornada intermitente, como um dos capítulos da reforma trabalhista que entrou em vigor no último dia 11. Aliás, esses próceres da Justiça do Trabalho criticam vários pontos da reforma, já tendo anunciado que não obedecerão integralmente à nova lei.

A ala dos amotinados conhece bem as regras do jogo. Eles sabem, portanto, que, ao se constatarem quaisquer evidências de ilegalidades na reforma, podem e devem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), pois é este o órgão de cúpula de todo o Poder Judiciário, ao qual compete, principalmente, a guarda da Constituição. Por que não tomam esse caminho, que faz parte das regras do jogo democrático?

É porque não identificaram sequer um arranhãozinho da reforma trabalhista na Constituição e nos direitos estabelecidos na CLT, que foi sancionada em 1943, quando o nome do país ainda era escrito com “z”. Mas, a despeito de tantas transformações ocorridas no mundo, desde então, o Brasil corporativista daquele período da Segunda Guerra Mundial está, hoje, matando o Brasil do século XXI.

Como é que um jovem brasileiro, que vai para o exterior, tranquilamente concilia o estudo com o trabalho, e aqui não consegue? O resultado dessa dissintonia do nosso país com os tempos presentes é que temos 17,5 milhões de pessoas trabalhando na informalidade, como se estampou na primeira página do GLOBO do dia 5 deste mês (domingo), com base em estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Na reportagem do GLOBO, está a declaração de Bruno Ottoni, economista da FGV, de que mais de 23 milhões de brasileiros trabalham menos de 40 horas semanais, a maioria (17,5 milhões) na informalidade. Eis aí um problema que se resolve com o trabalho intermitente. As pessoas podem se empregar, com carteira assinada, em atividades de horários e dias flexíveis, com salário pago por hora e todos os direitos assegurados, como férias, décimo terceiro, fundo de garantia etc.

Os rebelados contra o Brasil moderno ignoram que 22% dos jovens de 15 a 17 anos se encontram fora da escola, como publicou a “Folha de S.Paulo”, com base em diagnóstico de uma equipe liderada por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna. “O conflito entre escola e trabalho, em particular, cresce de forma acentuada com a idade”, afirma-se no diagnóstico.

Os magistrados rebeldes não fazem conexão de causa e efeito. Deveriam ler a reportagem de duas páginas, publicadas naquela mesma edição dominical do GLOBO, em que se narram as vicissitudes de mais de três mil desabrigados, a maioria jovens, que dormem nas ruas da região central do Rio. Isto, sim, data vênia, fere todos os direitos sociais inscritos na Constituição. Deixa o Brasil começar a trabalhar com segurança e em paz, doutor.