terça-feira, 21 de novembro de 2017

Banco Mundial avalia que Brasil gasta muito e mal e sugere medidas para cortar 7% do PIB em gastos

Lu Aiko Ota, Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

Um País que gasta muito e mal e que precisará fazer escolhas duras para ajustar suas contas, sob pena de mergulhar novamente na espiral da inflação e do baixo crescimento.  Esse é o retrato que emerge do estudo elaborado pelo Banco Mundial.  Intitulado “Um ajuste justo”, procurou mapear medidas que permitam ajustar o gasto brasileiro à regra do teto para o crescimento das despesas. Para não rompê-lo, será necessário reduzir os gastos na proporção de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) a cada ano, o equivalente a R$ 9,834 bilhões, a valores registrados no segundo trimestre deste ano pelo IBGE.
O documento, que traz uma ampla radiografia dos gastos e programas sociais do governo, sugere um conjunto de medidas que poderiam aliviar a pressão sobre o caixa federal no equivalente a 7,07% do PIB até 2026, sem prejudicar os mais pobres nem trazer perdas para a produtividade da economia. Algumas delas, porém, exigem contrariar grupos com forte influência no governo e no Congresso Nacional, como os servidores públicos, que ganham os salários mais altos. “Não queremos ser intrusivos”, disse o economista-chefe do Banco Mundial, Antonio Nucifora. “O papel do relatório é estimular o debate.”
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Banco Mundial um enxugamento de 1,29% do PIB nos gastos de Estados e municípios, elevando o potencial de economia a 8,36% do PIB Foto: Rafael Neddermeyeri/Fotos públicas
As sugestões envolvem também um enxugamento de 1,29% do PIB nos gastos de Estados e municípios, elevando o potencial de economia a 8,36% do PIB. O banco é taxativo no seu diagnóstico: os programas governamentais beneficiam os ricos mais do que os pobres. E apesar do alto volume de gastos públicos, a política fiscal tem tido pouco sucesso na redução da desigualdade e da pobreza.
O estudo foi encomendado pelo próprio governo, que tenta interromper o processo de crescimento acelerado das despesas e garantir o cumprimento do recém-criado teto de gastos em meio ao delicado quadro político do País às vésperas das eleições de 2018. 
A medida com mais impacto é a reforma da Previdência, que poderia levar a uma economia de gastos correspondente a 1,8% do PIB. “A Previdência é o motor do desequilíbrio fiscal”, resumiu o diretor do Banco Mundial para o Brasil, Martin Raiser.
Mantida a situação atual, aponta o estudo, daqui a 13 anos os pagamentos com aposentadorias e pensões estarão ocupando todo o limite do teto de gastos do governo federal. Não vai sobrar dinheiro para salários, manutenção de escolas e hospitais e muito menos para investimentos. Em 2080, o rombo da Previdência corresponderá a 150% do PIB brasileiro.
Além disso, o banco diz  que o sistema previdenciário atual é injusto, pois 35% dos subsídios previdenciários beneficiam os 20% mais ricos, enquanto 18% beneficiam os 40% da camada mais pobre da população.
O Banco Mundial defende a proposta do governo negociada com o Congresso em maio deste ano e que já foi desidratada para conseguir o apoio da base governista. Mas alerta que, mesmo com se a proposta integral fosse aprovada, o problema não estaria resolvido. Seria preciso avançar e atacar, por exemplo, os privilégios da previdência para os servidores, que custam caro e atendem à parcela mais rica da população.
“O conceito de direitos adquiridos deve ser revisto”, defende o relatório. Ele sugere também que o governo se articule com o Judiciário para evitar que os efeitos de uma reforma não sejam depois diluídos por decisões contrárias. 
De todos os países pesquisados pela instituição, o Brasil é onde os servidores públicos federais têm maior vantagem salarial em relação a pessoas que desempenham funções semelhantes na iniciativa privada: 67% a mais, ante uma média de 17% no mundo. A sugestão é reduzir esse prêmio pela metade, o que traria uma economia de 0,9% do PIB.
Depois da Previdência, a segunda maior economia calculada pelo Banco Mundial viria do ataque a outra “vaca sagrada” dos programas federais: o Simples Nacional, regime tributário diferenciado e simplificado. Segundo o relatório, não foram identificados impactos positivos do programa no mercado de trabalho ou no desempenho das empresas. Além disso, o programa inibe o crescimento das empresas e ajuda a manter vivos empreendimentos que não são eficientes. Finalmente, pelo diagnóstico traçado pela instituição, o Simples beneficia pessoas físicas de alta renda que recolhem impostos como se fossem empresas.
Segundo Raiser, o Estado brasileiro é mais ou menos do tamanho de um Estado europeu médio. Mas, no velho continente, os gastos governamentais com programas sociais ajudam a reduzir a desigualdade. Isso não ocorre no Brasil. “A realidade é que os pobres se beneficiam muito menos dos gastos públicos”, disse. Ele acrescenta que, por atender principalmente às pessoas de renda média e alta, esses programas são passíveis de ajuste.
Pelas projeções do relatório, o Brasil vai precisar de ajuste fiscal 5% do PIB no resultado primário. Para chegar lá, o governo terá que fazer corte um cumulativo de quase 25% nas despesas primárias federais em proporção do PIB), o que reduziria o orçamento federal aos níveis do princípio da década de 2000.
Se o Brasil não conseguir reverter a tendência, os resultados serão a perda de confiança dos investidores (nacionais e internacionais), a desvalorização da taxa de câmbio e o aumento da inflação, o que levaria o país de volta aos tempos críticos dos anos 1980 e início dos anos 1990.
Segundo o Banco Mundial, as reformas terão que abrangerá mais de um mandato presidencial e exigirá um diálogo extenso, incluindo Estados, municípios, movimentos sociais, sindicatos, associações empresariais e muitos outros grupos.