sexta-feira, 17 de novembro de 2017

"A respeito de crime", por J.R. Guzzo

Veja

William Waack
O jornalista William Waack (Zé Paulo Cardeal/TV Globo)


O assassinato a pedradas da reputação e da carreira do jornalista William Waack, numa operação conjunta entre a Rede Globo, as “redes sociais” e os veículos de comunicação deste país, que correram para prestar apoio imediato aos patrões no ato de apedrejamento do colega, já tem lugar garantido na miserável história da infâmia brasileira. É uma história construída de atos rasteiros, algozes pequenos e justiceiros hipócritas – sejam eles os autores do linchamento ou seus cúmplices.

No momento ela se faz em nome das pessoas que, segundo determina o evangelho corrente, “não tinham voz”, nem “atenção”, nem “acesso à mídia” – negros, gays, mulheres, ecologistas, quilombolas, índios, vegetarianos, ciclistas e quem mais der um jeito de entrar nesse bonde. O problema, como sempre acontece em casos de linchamento, é a obrigação, por parte dos linchadores, de criar uma mentira para justificar o que fizeram.

A mentira, no caso de William é dizer que ele “mereceu” a punição aplicada pelos empregadores. A mensagem que tentam passar é a seguinte:

“Sim, claro, é preciso cuidado com essas denúncias das redes sociais. Não se pode ir linchando as pessoas assim sem mais nem menos. Mas num caso de racismo como esse o castigo foi justo.”

Só que não há racismo nenhum nos atos do jornalista, nunca houve, e tanto é assim que não existe um único fiapo de manifestação racista em nada do que disse na televisão ou escreveu em jornais e revistas durante mais de 40 anos de profissão.

Mais: na sua vida pessoal, na qual teve contato frequente com colegas negros ou de outras etnias, há repetidos episódios de comportamento impecável diante de todos – algo perfeitamente verificável a qualquer momento, se alguém, na Globo ou no resto da imprensa, tivesse tido o interesse de verificar alguma coisa antes de sair gritando “racismo”. Mas ninguém perguntou nada. A verdade, no Brasil de hoje, é uma nota da Globo e as “pesquisas” sobre o que está sendo dito nas “redes sociais”.

Racismo é crime, dizem todos. Tem de haver mais punição para William. A demissão é pouco. Eis aí um aspecto muito interessante dessa história. Sim, racismo é crime. Mas quando você acusa alguém de um crime, qualquer crime, e não prova a sua acusação, você está praticando um outro crime – a calúnia, descrita no artigo 138 do Código Penal Brasileiro. A Globo, como foi escrito e não pode mais ser apagado, disse que “ao que tudo indica” William proferiu ofensas raciais. Como assim, “ao que tudo indica”? Ofendeu ou não ofendeu?

Um estagiário de advocacia sabe que precisa muito mais do que isso para chegar na frente de um juiz com uma acusação – ainda mais uma acusação que foi aceita pelos chefes como fato consumado, sem qualquer investigação séria, e gerou o afastamento imediato da vítima. Para se defender da acusação de ter praticado calúnia, a Globo terá de dizer que não acusou seu funcionário de ter cometido o crime de racismo.

Nesse caso, porque tirou-lhe o cargo e contou para todo mundo em nota oficial? A alternativa é abandonar o “ao que tudo indica” e dizer, com todas as letras, que William fez, sim, insultos raciais em público – só que aí vai ser obrigatório provar isso. Talvez não seja o jornalista, na verdade, quem está mais necessitado em demonstrar inocência à essa altura.