quinta-feira, 11 de maio de 2017

Rogerio Chequer: "A fábula de um regresso"

Folha de São Paulo


Reprodução
Depoimento Lula
Depoimento Lula


Imagine uma pessoa, um ermitão ou um iogue, após anos de isolamento, regressando ao Brasil em maio de 2017. Alguém que passou a vida purificando seu coração, desligando-se dos valores perversos que poluem qualquer sociedade. Ele chega e se depara com uma situação bizarra.

De um lado, surpreso, encontra um desenho que se forma diante da população. Desenho que, apesar de incompleto, já tem traços suficientes para que qualquer brasileiro, estrangeiro, ou extraterrestre reconheça, sem nenhuma dúvida, uma lamentável realidade. Já se conhece, com riqueza de detalhes, todo um sistema criminoso que rege a política e os negócios: quem rouba o povo, qual a magnitude dos valores, como é dividido o dinheiro, como o poder é conquistado, defendido e mantido.

De outro lado, o recém chegado enxerga, perplexo, criminosos e réus, nítida e inescrupulosamente envolvidos, ainda esperneando para tentar negar esta inequívoca realidade, assim como seu papel nela. Dentre outras cenas, ele vai assistir a um ex-presidente depondo a um juiz, diante de câmeras que o flagram nervosamente enrolando os fios da barba. No interrogatório, o ex-presidente, tentando aplicar frases e argumentos pré-fabricados, tropeça em contradições e inconsistências a cada instante ou resposta. Nada mais natural: é impossível encobrir falcatruas cometidas durante tanto tempo por tantas pessoas. Principalmente quando um número significativo dessas pessoas já decidiu falar a verdade e expor a nudez dos atores, inclusive dos chefes. Nudez que não chocará tanto ao recém chegado quanto a tentativa do imperador, ou melhor, do ex-presidente, de escondê-la com uma gravata verde e amarela.

Dado que os atos já são conhecidos e pelo menos uma boa parte dos atores também, para onde olha então nosso surpreso e indignado ermitão? Para a justiça. Ora, diante de irrefutável aberração, em pleno século 21, só resta aguardar a justiça ser feita, certo? Bem...

Aqui, sua perplexidade começa a se transformar em desespero, ao se deparar com a suprema corte do país dividida em grupos antagônicos, que divergem frontalmente em relação à aplicação das leis e especialmente em uma: se mantêm presos, ou não, os ladrões do povo.

O regresso ermitão, confrontando a roubalheira com a situação de penúria da população, o Estado inchado com as manobras eleitorais para mantê-lo a qualquer custo, a impunidade com os privilégios de poucos, entra em estado de revolta. Não há retiro espiritual capaz de prepará-lo para tal realidade, principalmente se ele tiver que pagar para alimentá-la.

Ele alia-se a cada brasileiro de bem que vive, já há alguns anos, o constante e repetitivo ciclo de surpresa, perplexidade, desespero e revolta. A partir dele, só há dois caminhos. A fuga, pela dormência e alienação, ou o enfrentamento, pela ação. Qual caminho você escolheria para nosso ermitão?