domingo, 14 de maio de 2017

"Os males do marketing político", editorial do Estadão

Um dos efeitos mais perniciosos da ausência de lideranças políticas genuínas é a frivolidade do debate público, evidenciada de maneira cabal durante as campanhas eleitorais. Em raríssimas ocasiões se veem contrapostos visões e projetos substanciosos para o País, caminhos pelos quais aos eleitores é dado optar nos regimes democráticos. Um ato essencialmente político, um fundamento da democracia representativa, como é a campanha eleitoral, é transmutado em uma espécie de show circense para escamotear a pobreza de conteúdo do que se apresenta ao escrutínio público.
Diante desse cenário desolador, não surpreende o elevado custo das campanhas eleitorais, nem que tanto dinheiro acabasse sendo buscado no indecente contubérnio entre partidos, empreiteiros e lambazes de todo tipo. Por não terem condições de oferecer uma proposta clara, planejada e inteligível aos eleitores, os candidatos preferiram contratar os famosos marqueteiros, que, ao invés de suprirem eventuais deficiências de comunicação de seus contratantes, passavam, eles mesmos, com a ajuda de institutos de pesquisa de opinião pública, a pautar o debate. E por este trabalho eram regiamente remunerados por meio de caixa 1, caixa 2, caixa 3 ou tantas caixas quantas fossem necessárias para viabilizar uma eleição dessa natureza. Pode-se mesmo dizer que a ilegalidade do meio de pagamento se tornou, com o tempo, irrelevante, pois o que era essencialmente desonesto era a subtração, ao povo, do debate político e das oportunidades de fazer uma escolha sensata dos governantes.
O custo descomunal para chegar ao poder no Brasil tem feito com que o eleito não se ocupe de outra coisa a não ser a busca incessante dos meios de financiamento de sua permanência no cargo – não raro por mecanismos escusos, como se vê pela sucessão de escândalos –, dedicando pouco tempo de seu mandato para legislar ou governar pautado unicamente pelo interesse público. Quando a inspiração de agir visando ao bem comum – traço distintivo de uma legítima liderança política – não se faz presente, abre-se espaço para a tentação dos privilégios e benesses do poder. Cria-se, assim, o ambiente para a perpetuação de um sistema que não medirá esforços para isso e não verá a lei como um anteparo dissuasório, e sim como uma pequena barreira a ser transposta.
Esse marketing, tal como tem sido feito, contribui decisivamente para o abastardamento da política, ao impor um debate sobre questões irrelevantes – quando não fantasiosas –, privando os eleitores de conhecer verdadeiramente as ideias e planos daqueles que lutam por seus votos. Não é um bom sinal de vigor democrático, e menos ainda da substância de nossas lideranças políticas, quando marqueteiros passam a ser figuras públicas, tratadas na pauta corrente do noticiário e das conversas populares. Pior ainda quando seus nomes aparecem vinculados à prática de crimes.
O peso desmedido dado às pesquisas eleitorais também contribuiu para o estágio em que se encontra a propaganda política hoje. Pouco a pouco, os candidatos passaram a privilegiar o discurso que os eleitores gostariam de ouvir, e não o que precisava ser dito. No mundo real, nem sempre os dois se coadunam. É neste contexto que os marqueteiros políticos passaram a ganhar cada vez mais importância. Não é exagero dizer que, em muitos casos, são eles, e não os políticos – os verdadeiros mandatários –, que determinam o debate público. A porosidade dos limites entre uma atividade e outra chegou a tal grau que marqueteiros não só figuravam lado a lado de “seus” candidatos durante a campanha como, quando estes eram eleitos, eram chamados para tomar assento em reuniões onde ações de governo eram traçadas. Nos piores casos, tornaram-se idealizadores de dissimulações ou mesmo partícipes de práticas criminosas.
Evidentemente, não se trata aqui de demonizar o marketing político e as pesquisas de opinião ou de negar o importante papel que essas atividades podem desempenhar no regime democrático. O problema é que o acessório foi tomado como principal, resultado direto da atual carência de lideranças políticas. Sem a renovação do quadro político, arejado por novas e boas ideias, o cenário político brasileiro continuará assombrado por um permanente desalento.