sábado, 27 de maio de 2017

JBS corre contra o tempo para quitar R$ 18 bilhões em dívidas de curto prazo

Alexa Salomão e Josette Goulart - O Estado de S.Paulo


Desde que a delação dos irmãos Batista veio a público, os analistas de mercado financeiro se calaram. A justificativa é que os indicadores da JBS teriam “virado pó”. Não é apenas o futuro da empresa que é considerado incerto. Pelo que foi narrado pelos próprios controladores, o passado tornou-se nebuloso, dado que ainda não é possível definir se os esquemas de corrupção distorceram os resultados anteriores. Mas há um dado concreto para todos: a JBS tem um buraco de R$ 8 bilhões para cobrir neste ano.
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Do açougue aos bilhões, conheça a trajetória da JBS

Vencem, agora em 2017, R$ 18 bilhões em dívidas de curto prazo – quase um terço da dívida de R$ 58,4 bilhões do grupo, um montante considerado bastante elevado. A empresa tem a opção de usar o caixa, abastecido por R$ 10 bilhões, mas precisa correr contra o tempo para conseguir o restante. Mergulhada em seus próprios relatos de ilegalidades, prestando contas a órgãos reguladores no Brasil e nos Estados Unidos, negociando multas bilionárias e sofrendo pressão dos políticos que denunciou, dificilmente terá socorro de bancos, públicos ou privados, ou credibilidade para captar no mercado. Terá de recorrer a medidas emergenciais, afirmam analistas.

Estratégia. Ciente do tamanho da encrenca, antes mesmo de a delação vir a público, a JBS montou uma estratégia para se resguardar. Parou de comprar bois à vista. A mudança desagradou aos pecuaristas, mas o pagamento a prazo para a gigantesca estrutura de abate da JBS segura no caixa R$ 1 bilhão por mês, aliviando a necessidade de capital de giro. O próximo passo, projetam consultores do setor, é o grupo começar a encolher. “A expectativa é que a JBS venda ativos, abrindo mão, num primeiro momento, de negócios que não são ligados à carne”, diz José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro Consultoria. 
Na semana passada, a J&F, holding que controla a JBS e outras empresas da família, começou a buscar bancos para vender a Alpargatas, do setor de calçados e têxteis; a Eldorado, fabricante de celulose; e a Vigor, empresa de lácteos. A Eldorado é considerada o negócio mais atraente e viável. “Os chineses, que têm dinheiro, não temem adquirir ativos com risco de esqueletos e estão com demanda crescente em seu próprio território, teriam enorme interesse em pagar um preço justo pela Eldorado”, diz uma fonte do setor financeiro. 
Venda. Os analistas do JP Morgan, entre os poucos que se arriscaram a divulgar relatórios sobre a empresa, defendem outra ideia: a redução de compra de boi e da criação de aves e suínos. Acreditam que a empresa vá encolher e perder até 30% do mercado de carnes no Mercosul. No Brasil, toda estrutura tem 80 unidades de produção, 47 centros de distribuição, fora as 24 unidades de processamento de couro e três confinamentos. 
Em um e-mail enviado a clientes, os analistas do BTG Pactual também apontam preocupação com os R$ 8 bilhões a descoberto. Eles entendem, no entanto, que, como as linhas de curto prazo são formadas basicamente por crédito à exportação, lastreadas na produção, a dívida pode ser paga mais facilmente. 
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Saiba quais empresas fazem parte do J&F, grupo que controla a JBS

No mercado financeiro, a projeção é que as ações da empresa na Bolsa paulista sigam com instabilidade. O papel, que chegou a R$ 12,46 em setembro de 2016, fez um mergulho na terça-feira pós-delação. Caiu assustadores 31%, para R$ 5,98. Depois, engatou movimentos de alta. No balanço da semana, a queda foi de 11,48% – o papel fechou a R$ 7,71 na sexta-feira. 
“Investidores com perspectiva de longo prazo já estão fora do papel, ele agora é especulativo”, diz Eduardo Roche, sócio da Canepa Gestora de Recursos. O movimento de alta da ação ao longo da semana, segundo relatos do mercado, teve duas razões. A primeira foi ficar claro que as multas e punições financeiras não vão recair exclusivamente sobre a JBS. A holding J&F assumiu a responsabilidade. O movimento também teria sido impulsionado pela ação de “gringos” com apetite ao risco. “Sinceramente, não sei o que eles estão vendo – ou não estão vendo”, diz Roche.
Existe ainda o temor em relação a eventuais revisões dos balanços. A delação revela, por exemplo, que a empresa chegou a depositar de 1% a 3% do valor das exportações em offshores para pagar propinas. Surgem as dúvidas: Qual valor foi registrado? Foi inflado? Ajustaram ao desconto da propina? Também incomoda a revelação do pagamento de propina para liberação de recursos no BNDES. O dinheiro pode ser lícito, mas a forma como foi obtido envolveu corrupção. Ninguém consegue dimensionar as consequências.
Novos cortes. Os analistas do banco JP Morgan acreditam que a JBS, dona da marca Friboi, vai perder 30% do mercado de carne no Mercosul e a receita da Seara, empresa do grupo que atua no mercado de aves, deve cair 15%. Nesse cenário, o frigorífico Minerva é o que está mais preparado em termos de caixa para abocanhar a parte do mercado que será deixada para trás pelo JBS, que agora precisa resolver sua situação financeira.
A atividade dos frigoríficos é intensiva de capital e sua liquidez chega a ser mais importante do que até mesmo o tamanho da dívida da companhia. Segundo o JP Morgan, certamente a atividade de carne será a mais afetada. O JBS não tem uma atuação tão forte no ramo de aves. Isso significa que a BRF, que é a maior do País no setor, também vai se beneficiar, mas não tanto quanto a Minerva.