quarta-feira, 18 de março de 2015

Vito Tanzi: “O governo do Brasil deveria cortar mais gastos”

Graziele Oliveira - Época

Uma autoridade mundial em contas públicas sugere que o Brasil até aumente o Imposto de Renda – mas só após o governo controlar gastos e cortar outros impostos


DIFÍCIL, MAS POSSÍVEL O economista italiano Vito Tanzi. Ele lembra que vários países já fizeram grandes cortes de gastos públicos (Foto: Divulgação)
O governo federal vem fazendo malabarismos para explicar como pretende fazer um ajuste de suas contas, depois de anos de gastança. O ajuste é necessário – mas como fazê-lo de forma que beneficie o país para além de 2015? O economista italiano Vito Tanzi, Ph.D. pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, já assistiu a esse drama muitas e muitas vezes. Como especialista em tributação, trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI) até 1981 e participou de missões da entidade a vários países latino-americanos, incluindo Brasil, Argentina, Chile e Peru (o contato com a hiperinflação o ajudou a formular o fenômeno conhecido como “Efeito Olivera-Tanzi” – a explicação de como o derretimento da moeda corrói a arrecadação de impostos). Tanzi ocupou cargos também no Banco Interamericano de Desenvolvimento e na Organização das Nações Unidas. Hoje,  colabora com os centros de estudos Wilson Center, nos Estados Unidos, e Bruegel, na Bélgica. Tanzi conhece bem a selva de impostos que cidadãos e empresas enfrentam no Brasil. Por isso, afirma que o ajuste das contas públicas em andamento no país deveria se basear mais em cortes de gastos do governo do que em aumentos de tributação. No longo prazo, acredita que o melhor remédio para o país seja reduzir outros tributos e cobrar mais Imposto de Renda da classe média alta e dos ricos.
ÉPOCA – O governo brasileiro vem tentando ajustar as contas e arrecadar mais. Aumentou impostos e tarifas que há tempos estavam congelados ou eram subsidiados e mudou regras de proteção trabalhista. O que o senhor acha das medidas adotadas?
Vito Tanzi – 
Por causa do alto nível de tributação no Brasil, seria desejável que o atual ajuste das contas públicas fosse feito mais pelo lado da despesa do que pelo lado da tributação. Vários países nos últimos anos conseguiram reduzir, em alguns casos de forma impressionante, a despesa pública em relação ao PIB. Entre esses países, fizeram grandes cortes  Noruega, Canadá, Suécia, Irlanda, Austrália, Bélgica e Chile. Em anos mais recentes, Israel e Irã fizeram reduções significativas. A eliminação dos subsídios à energia e as mudanças das pensões no Brasil foram mudanças na direção correta.

ÉPOCA – Mas as medidas são emergenciais. Por onde o país deveria começar uma reforma tributária com visão de longo prazo?
Tanzi –
 No longo prazo, a principal fonte de receita tem de ser o Imposto de Renda, recolhido especialmente dos grupos de alta renda. O total de tributos no país é muito alto, mas as receitas dos impostos sobre o rendimento pessoal são muito baixas. Dada a distribuição de renda muito desigual no Brasil, grupos com maior renda devem contribuir com mais do que fazem atualmente em relação à tributação total. Aqueles nos níveis de rendimento superiores pagam um Imposto de Renda pequeno. O esforço deve se concentrar em tributar mais aqueles com rendimentos elevados, enquanto se reduz alguns dos outros impostos.
ÉPOCA – Além de o brasileiro pagar muitos tributos indiretos, ele desconfia da capacidade do governo de gastar bem o dinheiro e promover distribuição de renda. Como justificar um aumento de Imposto de Renda?
Tanzi –
 O Brasil deveria ter um sistema fiscal que combinasse todos os rendimentos individuais, a partir de qualquer fonte que venham, e deveria aplicar taxas de cobrança mais elevadas às pessoas com altos rendimentos. Há uma grande concentração da capacidade tributável nos 10% do topo da população. Aqueles nessa faixa são os que devem pagar mais impostos sobre o rendimento, possivelmente reduzindo impostos indiretos, que são mais pesados sobre os grupos mais pobres.

ÉPOCA – Qual é sua opinião sobre a criação de impostos sobre herança e grandes fortunas? Parte dos tributaristas argumenta que esse tipo de taxação angaria simpatia popular, mas ajuda pouco no saneamento das contas públicas e ainda pode afugentar empresários.
Tanzi – 
Partilho dessa opinião. Impostos sobre herança e grandes fortunas nunca forneceram muita receita e podem criar muitos problemas. Seria mais eficaz tentar aumentar os impostos sobre propriedade, fornecendo algumas isenções razoáveis para as pequenas propriedades.
"Impostos sobre herança e grandes fortunas nunca forneceram muita receita e podem criar problemas "
ÉPOCA – O senhor já afirmou que aumentos de impostos não necessariamente significam que a verba pública será bem aplicada. Como países em desenvolvimento, como o Brasil, poderiam melhorar a forma como aplicam os tributos arrecadados?
Tanzi – 
Em geral, impostos devem ser levantados com um objetivo específico em mente. Esse objetivo pode ser cortar um deficit fiscal. Mas insisto: especialmente nesse caso, é desejável fazer o ajuste por meio da tributação de quem tem mais capacidade de pagar, e não adicionar impostos extras que incidam sobre aqueles na parte inferior da pirâmide de distribuição de renda.
ÉPOCA – Que outras distorções o senhor detecta no sistema tributário brasileiro?
Tanzi –
 A distorção principal é a dependência excessiva de impostos indiretos. Além de pesar mais sobre os grupos de renda mais baixa, esses impostos são cheios de detalhes e especificidades. Eles criam ineficiência e guerras fiscais entre os Estados. E não são neutros, ou seja, não seguem as mesmas regras no Brasil inteiro, como vemos em impostos de valor agregado (como o ICMS brasileiro) em outros países. O principal erro brasileiro foi continuar a depender de impostos indiretos, sem torná-los mais neutros, e não deslocar a carga tributária para o Imposto de Renda que incide na camada mais rica da população.

ÉPOCA – O Brasil parou de crescer. Há quem defenda que o governo continue gastando, para impedir que a economia esfrie ainda mais, e quem defenda que o governo poupe mais, a fim de melhorar as projeções para as contas públicas. A piora nas contas públicas contribuiu com esse baixo crescimento?
Tanzi – 
Vários países vêm trabalhando muito bem com os níveis de despesa pública como proporção do PIB. Têm gastos proporcionalmente menores que os do Brasil. Entre eles estão Austrália, Suíça e Coreia do Sul. O Canadá também cortou os gastos públicos em profundidade, no final dos anos 1990. Antes disso, estava em condições muito ruins. A dívida pública vinha crescendo rapidamente, a taxa de juros estava muito alta e a taxa de crescimento muito baixa. O governo canadense retomou o controle das contas. Aumentou a eficiência de seus programas e, assim, conseguiu cortar gastos em termos reais. Cortou as transferências de renda, especialmente para os governos locais. Entre 1995 e 2005, a parcela da despesa total do governo sobre o PIB caiu de 47% para 38%. Depois do ajuste, o país teve desempenho melhor. Teve inflação mais baixa e cresceu mais rapidamente do que qualquer outro do G7 (as sete maiores economias desenvolvidas do mundo. Em sete dos nove anos de 1997 a 2005, o Canadá exibiu o maior ou segundo maior crescimento entre os países do grupo). Por causa do ajuste, o país se beneficiou de um dividendo fiscal: com a queda da dívida pública, caiu também a taxa de juros.
ÉPOCA – Países como a Grécia e a Espanha passam por um período difícil de ajuste de contas públicas, com baixo crescimento e muito desemprego. E o que acontece na Europa afeta o mundo todo. O senhor acha que esses países estão numa boa trajetória?
Tanzi –
 Primeiro, digo que uma boa regra a seguir é nunca deixar as contas públicas se desequilibrar muito. Porque é sempre difícil voltar atrás e corrigi-las. A ideia de que grandes deficits fiscais levarão ao crescimento é, muitas vezes, uma miragem. Leva, principalmente, a problemas. Observe Grécia, Espanha, Portugal e outros países nessa situação. Tanto Espanha quanto Grécia deixaram suas contas se tornar demasiado desequilibradas, a Grécia mais ainda do que a Espanha. A Espanha deverá ser capaz de sair de seus problemas recentes, mas o problema grego é muito maior. O país vai enfrentar tempos muito difíceis e vai levar um longo tempo para sair deles. Não há remédio milagroso que permita aos países sair de grandes dificuldades fiscais. É mais fácil não entrar nelas. Há alguns anos, um Panorama da economia mundial, estudo feito periodicamente pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), concluiu que, para os países em desenvolvimento, uma dívida pública correspondente a 40% do PIB deveria representar uma luz amarela. Um deficit fiscal ocasional não é um problema, mas deficits fiscais que se prolongam no tempo podem facilmente se tornar um grande problema.