MATTHEW CONNELLY E RICHARD H. IMMERMAN - DO “NEW YORK TIMES”
Recentemente os arquivistas começaram a se desfazer de milhões de documentos ainda nem revistos simplesmente por não ter mão de obra suficiente para fazê-lo

A história julgará: essa é a resposta geralmente dada pelos líderes quando têm que tomar decisões difíceis – afinal, os historiadores têm o benefício do retrospecto e de arquivos lotados do que um dia foram segredos. Mas como a história vai julgar uma geração de oficiais que não preservam seus registros?
A revelação feita em dois de março – a de que Hillary Rodham Clinton usou somente sua conta pessoal de e-mail durante o tempo em que foi Secretária de Estado e não guardou cópias da comunicação feita através do servidor federal – parece refletir uma indiferença preocupante em preservar o momento que estava vivendo. Seus assessores geraram mais de 55 mil páginas de correspondência, mas a Agência de História do Departamento de Estado calcula que sejam produzidos dois bilhões de e-mails por ano.
Mesmo que ela tivesse mantido diligentemente toda sua correspondência, os norte-americanos do futuro talvez não possam saber muita coisa sobre a Primavera Árabe ou o programa nuclear do Irã. O grande problema é que o governo produz um volume assombroso de e-mails, a maioria de caráter secreto, a que o público não tem acesso, a não ser que os arquivistas processem e guardem tudo.
Esse é um problema que atinge todo o governo federal, como deveríamos ter percebido quando o Fisco (IRS) não conseguiu gerar nem os e-mails mais recentes para apresentá-los durante um inquérito no Congresso em 2014. Embora o arquivamento de mensagens eletrônicas represente um desafio técnico, a administração atual determinou que todas sejam gerenciadas digitalmente até 2019, incluindo até aquelas que antigamente teriam sido imprimidas antes de enviadas para a Administração Nacional de Arquivos e Registros, organização que ainda está entulhada de papéis da Guerra Fria.
Segundo o independente Conselho de Desclassificação para Interesse Público, uma única agência de inteligência produz um petabyte de dados secretos a cada ano e meio, o equivalente a vinte milhões de armários de quatro gavetas. O Arquivo Nacional calcula que, sem nova tecnologia para acelerar o processo, a desclassificação desse volume de informações exigiria dois milhões de empregados/ano – só que são apenas 41 arquivistas trabalhando em College Park, Maryland, para revisar os registros produzidos por todo o governo federal, uma página por vez.
"Big Data" é um enorme desafio de gerenciamento. Tanto os governos democratas como republicanos preferem dedicar mais recursos para proteger segredos de Estado que para preservar os registros históricos. O Information Security Oversight Office, minúscula agência de vigilância do governo, observa que dos US$11,6 bilhões gastos em 2013 para manter a segurança de informações, apenas US$99 milhões foram gastos com a desclassificação, menos que trinta por cento do que se gastava há quinze anos. No fim dos anos 90, mais de 200 milhões de páginas de documentos eram reveladas por ano; hoje, esse número se estagnou em trinta milhões, apesar do aumento astronômico dos dados secretos.
William A. Mayer, responsável pela pesquisa do Arquivo Nacional, disse em uma conferência recente que o atual volume de informações secretas "é de pasmar". E descreveu a última cena do filme de Steven Spielberg, "Caçadores da Arca Perdida", na qual um caixote em que se lê "Confidencial" se perdia em meio a milhares de outras caixas em um galpão cavernoso. "Spielberg acertou na mosca!", comentou Mayer para o público. Nossos segredos estão se perdendo para sempre.
Vejamos o exemplo do Arquivo Central de Política Externa do Departamento de Estado, primeira grande coleção de registros eletrônicos do Arquivo Nacional: segundo ele, durante os anos 70, não houve comunicações diplomáticas durante várias semanas. Elas se perderam há muito tempo e ninguém sabe quando ou por quê. Recentemente os arquivistas começaram a se desfazer de milhões de documentos ainda nem revistos simplesmente por não ter mão de obra suficiente para fazê-lo.
Este é o resultado do excesso de sigilo e falta de investimento na função mais básica do governo: preservar os registros do que é feito em seu nome.
Fica claro que os arquivistas – e Hillary – precisam de uma nova tecnologia para processar as informações eletrônicas, como os advogados perceberam quando começaram a confiar em métodos eletrônicos de descoberta. Porém, precisamos também de medidas mais radicais. Como Daniel Patrick Moynihan uma vez observou, as autoridades acumulam informações secretas porque elas são a moeda do poder – o problema é que o excesso acaba desvalorizando-as.
O governo não deveria "cunhar" novos segredos até revelar um número correspondente de segredos antigos. Privar o público de informações deveria ser tratado com a mesma severidade que a exposição não autorizada de dados – e se o Executivo não pode ou não consegue mudar sua operação interna, o Congresso deveria criar uma autoridade independente para controlar o sigilo oficial e salvaguardar os registros públicos.
O governo está produzindo mais documentos secretos do que sabe o que fazer com eles.
O Arquivo Nacional está sucumbindo e pode entrar em colapso sob a avalanche de registros eletrônicos – e se isso acontecer, o compromisso dos EUA em manter um governo transparente se tornará uma coisa do passado, já que será impossível recuperá-lo.
Matthew Connelly é professor de História da Universidade Columbia. Richard H. Immerman, professor de História da Universidade Temple, é também presidente do Comitê Consultivo Histórico do Departamento de Estado dos EUA.