Germano Oliveira e Marina Timóteo - O Globo
Advogados dizem que presunção de inocência é prevista na Constituição Federal
A proposta do juiz federal Sérgio Moro de criar dispositivos na lei brasileira que permitam a prisão de acusados de crimes de corrupção antes do julgamento, além da sua defesa de mudanças no Código de Processo Penal que torne mais ágeis as punições aos acusados desses delitos, dividiu opiniões. Advogados ouvidos pelo GLOBO alegam que, ao manter presos os acusados da Lava-Jato, antes de uma condenação, o magistrado vai contra a Constituição, que não permite a prisão antes de uma condenação definitiva.
Thiago Bottino, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio, concorda com Moro quanto à necessidade de se dar celeridade aos processos, lembrando que vem dos Estados Unidos o melhor exemplo.
— Lá, 95% dos processos são julgados com a colaboração do criminoso, que confessa o crime em troca de uma pena menor — diz Bottino, que no entanto considera as decisões de Moro, de manter presos um grande número de envolvidos da Lava-Jato, inconstitucional. — A Constituição prevê que ninguém será considerado culpado até a condenação em trânsito em julgado. É cláusula pétrea a presunção de inocência.
Romualdo Sanches Calvo Filho, presidente da Academia Paulista de Direito Criminal (APDCRIM), diz que não vê necessidade de uma nova legislação para combater crimes de corrupção. Para ele, o artigo 312 do Código de Processo Penal já contempla as prisões preventivas e cautelares, como as impostas por Moro aos investigados na Operação Lava-Jato.
— Tanto está sendo cumprido o código, que eles estão presos até agora e nenhum advogado dessas pessoas, que são pessoas de bastante recursos econômicos, conseguiram habeas corpus — diz Calvo Filho.
Para o criminalista Luiz Flávio Gomes, Moro comete “um abuso" ao manter as prisões antes de uma condenação.
Responsável pela Operação Lava-Jato, Moro assinou artigo, publicado ontem no jornal “O Estado de S.Paulo”, no qual defendeu a manutenção das prisões dos investigados na operação que, para ele, não violam o princípio da “presunção de inocência”. Para Moro, os crimes atribuídos aos detidos são graves e exigem “eficácia imediata, independente do cabimento de recursos”. Para sustentar a tese, o magistrado citou os Estados Unidos e a França — “dois berços históricos da presunção de inocência” — como países onde ordens de prisões são aplicadas e a liberdade se dá somente como “recurso excepcional”.
Assinado também por Antônio Cesar Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), o artigo de Moro é extremamente crítico à Justiça Criminal brasileira, “aqui incluído Polícia, Ministério Público e Judiciário”, que, segundo ele, são incapazes de combater efetivamente crimes de corrupção. O problema principal, diz o artigo, é “óbvio e reside no processo”.
“Não adianta ter boas leis penais se a sua aplicação é deficiente, morosa e errática. No Brasil, contam-se como exceções processos contra crimes de corrupção e lavagem que alcançaram bons resultados. Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou a prescrição pelo excesso de tempo transcorrido”, diz o juiz.
Moro acrescentou que “a melhor solução é a de atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata, independente do cabimento de recursos".