sexta-feira, 27 de março de 2015

Empreiteiras da Lava Jato descumprem próprios códigos de ética

Dyelle Menezes e Thaís Betat - Contas Abertas


propinaOs possíveis acordos de leniência firmados entre as empresas da Lava Jato e a Controladoria-Geral da União (CGU) prevêem a adoção de práticas anticorrupção (compliance) a serem aplicadas nas empresas. No entanto, muitas das empreiteiras já possuem esse tipo de conduta firmada no papel. O problema está na prática.
De acordo com o superintendente-geral da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), Jairo Martins, é preciso harmonizar os códigos e a cultura da ética, o que não acontece do dia para a noite. “Ter os códigos de conduta são partes importantes no processo de compliance. Porém, o lado mais subjetivo, por exemplo, da própria integridade, é essencial”, aponta.
A dificuldade da passagem do papel para a aplicação efetiva ficou clara com as empresas investigadas pela operação Lava Jato. Pelo menos 12, das 23 empreiteiras investigadas pela operação possuem códigos de ética expostos em seus sites. É o caso, por exemplo, da Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS e Queiroz Galvão.
Nos documentos é possível encontrar, além de proibições explícitas, espaços para denúncias anônimas. No texto da OAS há pontuação específica sobre a relação com o Poder Público. De acordo com o código da empresa, seria “expressamente vedada” a oferta, entrega ou promessa, direta ou indireta, de qualquer vantagem indevida a funcionário público, ou a terceira pessoa a ele relacionada. “Assim, não é permitido qualquer tipo de contribuição, doação, prestação de favores, envio de presentes”.
A Odebrecht também destaca ser proibido financiar, custear ou de qualquer forma patrocinar a prática de atos ilícitos na relação da empresa com os entes governamentais. O código aponta que não é permitido oferecer qualquer tipo de vantagem, pagamento, presente ou entretenimento que possa ser interpretado como vantagem indevida, propina, suborno ou pagamento em virtude da infração de qualquer lei, incluindo pagamentos impróprios ou ilícitos a um agente público.
A Andrade Gutierrez, para além das proibições do pagamento de propina, estabelece que doações políticas por qualquer sociedade da empresa deverão ser devidamente aprovadas internamente e divulgadas na forma da lei. De acordo com as investigações da Lava Jato, valores significativos de propina foram pagos por meio de doações eleitorais.
De acordo com Martins, é muito importante que se crie uma cultura organizacional ética, a partir do dirigente principal da organização. “Uma empresa precisa de uma boa reputação, isso faz com que tenha bons relacionamentos e assim terão resultados”. Para ele, o aumento de lucros não justifica atividades que ferem a ética.
As empresas, segundo ele, devem levar o que aconteceu como aprendizado e não podem fugir das políticas de compliance para a gestão. “Nós chegamos num momento de crise e tempo de crise é tempo de gestão”, afirma o superintendente-geral da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) sobre o escândalo das empresas da Lava Jato.
Meios de incentivo a denúncias
Apesar do esquema de corrupção forjado entre as empreiteiras e funcionários da Petrobras terem sido reveladas por meio da operação Lava Jato, algumas empresas possuem espaços para denúncias de más condutas para investigação interna.
No caso da Odebrecht, existe no portal oficial um espaço “Relato da Violação” em que é possível denunciar e anexar arquivos. Além disso, os números de telefones de todas as empresas do grupo estão em evidência.
A OAS repassa as denúncias para o Comitê de Compliance interno, que permite registrar os casos de forma anônima. O site informa que “tudo será feito de forma confidencial de modo a não expor os integrantes ou a OAS perante terceiros”.
Já a Andrade Gutierrez não apresenta um espaço explícito e de fácil acesso para que as denúncias sejam feitas. O Comitê de ética interno existe, porém não disponibiliza caminhos como números de telefones ou endereços de e-mail para contato anônimo. A Camargo Corrêa também segue a mesma linha.
Sanções internas
Se acatadas as denúncias e comprovado envolvimento de algum funcionário, os códigos de conduta de parte das empreiteiras prevê sanções. A UTC, por exemplo, numera todas as possíveis punições, sendo elas: advertência, redução do bônus anual e de outros benefícios concedidos, suspensão sem vencimentos ou término do vínculo empregatício.
A OAS e a Camargo Corrêa já entram em na esfera judicial, com sanções penais, trabalhistas ou comerciais, medidas disciplinares e o rompimento do vínculo trabalhista ou comercial.
A Odebrecht e a Andrade Gutierrez não delimitam as sanções como fazem as supracitadas, pois apenas informam que “as devidas providências serão tomadas” e “haverá a comunicação das autoridades públicas competentes, se for o caso”.
Compliance vs lucro
O superintendente também ressaltou que é possível que as empresas obtenham lucro sem se envolverem com corrupção ou atos ilícitos. “Muitas organizações usam a desculpa de entrarem no jogo que já está em prática, mas não necessariamente é uma verdade. A ética é parte da cultura de sustentabilidade que tem sido levantada em muitos discursos. O assunto prevê o tema ético, tanto quanto o ambiental e econômico”.
Ele acredita que é parte do papel social da empresa mostrar que condutas limpas e éticas podem ser implementadas. “Não é porque determinado Estado ainda tem essas práticas que a empresa precisa seguir isso. Uma empresa realmente precisa de boa reputação e isso faz com que tenha com bom relacionamento e, consequentemente, vai ter resultados”, explica.
Evolução
Para Martins, apesar da conjutura atual, com a crise da Petrobras, supor o contrário, já é possível notar evolução das políticas de compliance no Brasil. “É um trabalho que requer esforço e vontade”, explica. O superintendente acredita que as práticas éticas podem ser implementadas com sucesso.
“É preciso que organizações estejam focadas na sociedade, no cidadão e no governo ao mesmo tempo. É possível fazer o dever de casa e partir para uma postura crítica em relação às ações”, conclui.