sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

J.R. Guzzo - 'O Diabo veste Prada'

O governo Lula fracassou em tudo. Não deu certo em nada. Mente, e só mente, na esperança de que o público acredite para sempre na mentira


Lula chega para uma reunião no Palácio do Planalto, em Brasília (3/7/2024) | Foto: Reuters/Andressa Anholete

U ma das coisas sobre as quais você pode ter certeza nesta vida é que não vai ver, nunca, um rato nadando na direção de um navio que afunda. Ele, rato, pode não saber para onde está indo, mas sabe o mais importante: no navio dão dá mais para ficar. Ainda faltam quase dois anos para o governo Lula acabar, caso você considere que isso que ele está fazendo é mesmo um governo, mas a rataria de hoje tem cada vez menos paciência com barcos suspeitos de avaria grossa. Governo é governo, claro — tinha gente querendo uma nomeação no gabinete de Dom Pedro II meia hora antes da Proclamação da República. Não deve ser diferente com Lula. Resta o fato concreto de que o Lula 3 está sobrevivendo na base da hemodiálise. Não costuma ser uma boa notícia. 

O equilibrista, como é bem sabido, não pode acreditar que é capaz de voar de um lado para o outro — se acreditar, mais cedo ou mais tarde vai acabar dando de cara com o chão. Quem tem de acreditar nisso é o público, que pagou ingresso e está vendo o show. Lula, desde que voltou a ser presidente, acredita que está voando — a mídia diz que ele voa, o STF diz que ele voa, Janja diz que ele voa. Mas é claro que ele não voa; ninguém voa. O resultado é isso que está aí. O governo Lula fracassou em tudo. Não deu certo em nada. 

Mente, e só mente, na esperança de que o público acredite para sempre na mentira — ou na “narrativa”, como eles dizem. Mas a narrativa acabou na prateleira do supermercado. Está sobrando, agora, o que Lula sempre foi: nada. O choque de realidade, para Lula, a mídia e as facções intelectuais que lhe dão apoio, veio com o anúncio pelo Datafolha (eles têm fixação pelo Datafolha) de que a popularidade do presidente havia caído ao ponto mais baixo jamais registrado em seu governo e na sua carreira. O choque, mesmo, foi só para eles e para os analistas políticos. O Brasil está em óbvia petição de miséria, pelo que mostram todos os dias os fatos, e as pessoas têm a tendência a perceber isso logo — em vez de ficar achando que está tudo bem só porque Janja continua a mostrar suas dancinhas no Instagram. “Como assim?”, assustaram-se todos. “Então o povo não gosta da gente?” É claro que não. Está na cara que não gosta, mas foi preciso o Datafolha dizer para acreditarem. 


Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante evento em Brasília (10/2/2025) | Foto: Reuters/Adriano Machado 

Acaba de mostrar isso dando-lhes uma surra de criar bicho nas eleições municipais. Lula não consegue juntar dez pessoas numa manifestação de rua. Mete imposto em tudo o que se move à sua frente; conseguiu, até mesmo, cobrar outra vez imposto que já estava morto, como o DPVAT e o Imposto Sindical. Os preços da comida dispararam — e Lula recomenda que as pessoas não comprem, se está caro. (As redes sociais, claro, explodiram na hora.) O governo autorizou a redução do tamanho do ovo vendido no mercado; quer dizer, aumenta o preço e diminui o peso. Janja e um desses ministros do Nada que lotam o governo, mais um batalhão de aspones, vão para Roma “combater a fome” — justo na hora em que nesse mesmo ministério estão roubando marmita. A gasolina aumenta, e Lula diz que a responsável é a Petrobras. 

É daí para baixo. O assassinato brutal de um ciclista em São Paulo para o roubo de um celular, que espalhou ondas de choque pelo Brasil, é respondido pelo governo Lula com o plano “Pena Justa” — um delírio extremista para soltar mais, tratar melhor e premiar bandidos, definidos como “vítimas” do sistema capitalista e da “desigualdade”. O presidente diz que o Brasil vive um “momento extraordinário”, e que vamos colher o que “plantamos” — isso depois de dizer que o seu governo não está entregando o que deveria. Lula, diante do preço dos ovos, aconselha as pessoas a comerem, como ele, ovo de “pata, de ema e até de jabuti”. Diz que “é tudo igual”. Uma fileira de puxa-sacos sistêmicos, de pé, ri e bate palma.


Lucas Pavanato - Hoje, às 6h da manhã, dois bandidos em uma moto assaltaram e atiraram em um ciclista ao lado do Parque do Povo, no Itaim Bibi. A vítima não resistiu aos ferimentos. Um dos criminosos desce e ainda revista o ciclista caído no chão antes de fugir. Sob Lula, o amor venceu.


Não é de surpreender ninguém, diante disso tudo e de muitíssimo mais, que o advogado-símbolo do lulismo “de resultados”, padroeiro dos jornalistas de Brasília e medalha de ouro na defesa da corrupção de extrema esquerda no STF, tenha pedido para sair. Trata-se de um militante tido como “elemento estratégico” no bas-fond judiciário do Distrito Federal e nos desvãos do governo; tem apelido em vez de nome, e faz parte do coletivo “Prerrogativas”, grupo de advogados especializados na defesa da ladroagem top da Lava Jato. (Seu lema: “Já roubou mesmo, para que punir?”) Faz parte das lendas urbanas de Brasília considerar que ele dispõe de influência sem limites na junta de governo Lula-STF. Pois bem: o homem resolveu dizer em público: “Fui”.


O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, no julgamento do processo do Mensalão, no Supremo Tribunal Federal, em Brasília (15/8/2012) | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil 

Por que, exatamente, ele decidiu ir é coisa que interessa sobretudo a ele próprio e a seus clientes, mas o fato é que soltou uma carta nas redes sentando a pua em Lula, no governo e em Janja, o sujeito oculto do seu acesso de spleen contra “tudo isso que está aí”. Podia perfeitamente ter saído quieto. Se saiu batendo a porta das redes, é porque fez questão de dificultar para Lula — e de mostrar que já está na “oposição”, talvez, quem sabe, até ao lado de alguém da direita “civilizada”, “progressista” e com cara de João Doria. A carta diz que Lula “não é o mesmo”, que foi “capturado”. Em suma: é um pontapé, e  é só isso, porque o resto é uma maçaroca sem pé nem cabeça em que ele chega a dizer, a folhas tantas, que o ministro Haddad “é um gênio”. 

O manifesto do advogado ao Brasil, naturalmente, já foi encaminhado pela militância das redações às geladeiras do Instituto Médico Legal de Notícias, onde deve aguardar sepultamento em vala comum a partir de agora. É coisa que deve interessar “à direita”, ao “fascismo” e, quem sabe, até a Donald Trump; é melhor sumir com a história, enquanto for possível. Mas na própria mídia, e não é de agora, começaram a surgir sinais de “desconforto” — palavra que os jornalistas utilizam quando têm de definir as reações provocadas a cada vez que Lula enfia o pé na jaca. O canal da Secom na TV aberta resmungou que Lula precisa esperar que Janja viaje para falar com alguém; quando está aqui, ela não deixa. Antes disso, já haviam feito severas repreensões à conduta de Lula nas histórias de não comprar coisas caras, comer ovos de jabuti e outras ideias dessa qualidade. 


Lula e Janja, em Brasília (19/6/2024) | Foto: Shutterstock 

Ou seja, aqui, ali e acolá a torcida começa a vaiar. Nunca é bom. Na verdade, tem sido ruim desde o começo, ou até antes de começar. O que esperar da monstruosidade dos 40 ministérios, da psicose em gastar e, sobretudo, da incompetência terminal dos nomeados — para não falar nada de sua folha corrida? O fato objetivo é que nunca foi materialmente possível, com as intenções que teve, as pessoas que nomeou e as decisões que toma todos os dias, o governo Lula dar certo — nem por cinco minutos. Para resumir a ópera: o presidente da República não pode andar dez metros nas ruas do seu próprio país, e não há força humana que faça um negócio desse ser bom. Há mais de dois anos a imprensa e a elite fazem de conta que não há nada de mais com isso. E aí?

As redações acham que, agindo assim, estão na luta da “resistência” contra o fascismo. Mas o seu silêncio não faz o governo Lula ficar bom — ele continua fazendo o governo dos ovos de pata, das bruzinhas do Haddad e do assassino que não pode ser preso porque, segundo o presidente, só quis roubar um celular para tomar “uma cervejinha”. Se o governo fosse essa ruína moral que é, mas pelo menos estivesse fazendo alguma coisa útil e visível, talvez desse para aliviar um pouco. Mas depois de dois anos conseguiram não fazer absolutamente nada de útil, e muito menos visível; sobra apenas a ruína. Vai ficando mais difícil, nessas circunstâncias, fazer sopa de pedra. O advogado das “Prerrogativas”, por exemplo, parece que já cansou.



Lula, quando se vê assim, costuma ficar pior. Corre, por instinto, para o extremismo. Mente ao quadrado. Faz qualquer promessa, e comete qualquer irresponsabilidade. Não é uma questão de impressões: é o que ele faz, na prática, desde que virou político. No momento, por exemplo, está prometendo de novo isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e gás de graça. (“Ninguém mais vai pagar um bujão de gás nesse país”, disse durante a campanha, junto com a picanha com “aquela gordurinha” etc.) 

Fora isso, o que ele oferece à mídia é a “reforma ministerial” — da qual o que mais se fala é a promoção para ministra da presidente do PT. Como é possível alguém imaginar que consegue resolver algum problema, qualquer problema, nomeando a deputada Gleisi Hoffmann para alguma coisa? Tenha dó, diria o ministro Alexandre de Moraes.




Na verdade, coitada, ela talvez seja quem menos tem a ver com a confusão do momento na área do XV. A única reforma ministerial coerente que Lula poderia fazer a esta altura, para conseguir algum resultado prático, é nomear Roberto Campos Neto para o Ministério da Fazenda, por exemplo, ou Guilherme Derrite para o Ministério da Justiça — algo mais ou menos por aí, entendeu? Quer dizer, só haveria alguma chance de dar certo se os novos ministros viessem para fazer exatamente o contrário do que os atuais ministros estão fazendo. Só que Lula quer mudar o ministério para piorar o que vem sendo feito — o máximo que se pode esperar, com muito otimismo, é que ele se contente em acelerar a ladroagem, na dobradinha PT-centrão, e fique por aí. 

Com uma eleição daqui a menos de dois anos e com essa desgraça de governo que está aí, a coisa fica complicada. “Eleição” — depois de todos os tratados de ciência política que vêm sendo socados em cima de você há anos, é esse, e unicamente esse, o nome do fantasma para o consórcio LulaSTF. O Diabo não vestia Prada? Pois para a esquerda brasileira o Diabo veste eleição, voto livre e vontade da maioria. Por isso mesmo eles gostam tanto do TSE, das suas missões cumpridas, suas urnas, sua polícia e seu escrutínio secreto, onde, a certa altura, alguém diz: “O Lula ganhou”.




Esquerda e eleição livre, em todo o mundo e ao longo de toda a história, são coisas fisicamente incompatíveis. Por que seria diferente no Brasil? A vida política brasileira vive em cima de uma contrafação fundamental: a lenda oficial de que Lula ganhou, de verdade, as eleições de 2022. A partir daí trava tudo, porque a premissa é falsa e o que decorre dela se torna necessariamente falso. Lula é impopular desde seu primeiro dia de governo por um fato simples: não está na Presidência pela vontade da maioria. Foi colocado lá pelo STF, que o tirou da cadeia onde cumpria pena pela prática dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. Nunca foi absolvido, desde então, por sentença judicial. O STF anulou sua ficha suja — e por isso ele pôde ser candidato. 

Lula foi abertamente favorecido pelo STF durante a campanha, na eleição mais parcial que o Brasil já teve — a ponto de uma ministra dizer que havia censura, e que a censura era ilegal, mas seria assim só até o dia da votação. Virou presidente, enfim — mas com defeito de fábrica. É disso que vem toda a confusão sem saída que está aí. É cômico ver hoje o espanto dos cientistas políticos: como um homem eleito outro dia, admiram-se eles, pôde virar suco tão depressa? É que ele sempre foi suco. Agora, quando o próprio regime vê que Lula não está mais segurando a barra que deram para ele, começa o pânico. O motor não resiste a mais uma volta no quarteirão. Ou conseguem resolver pela força ou terão de encontrar um outro carro.





J.R. Guzzo - Revista Oeste