Com 100 dias de governo Lula, jornalistas parecem ter vivido uma relação esquizofrênica com o papel que deveria ser da imprensa: investigar, revelar, cobrar e informar
“Você vai voltar a comer picanha! Você vai voltar a comer picanha! O brasileiro gosta de vestir bem (sic)! Você vai voltar a ver aeroporto lotado como se fosse rodoviária!” A frase repetida foi proferida quase com raiva pela apresentadora Daniela Lima, da CNN, a emissora novata da velha mídia, ainda no Halloween de 2022.
Antes mesmo de experimentar os efeitos do novo governo, o infame vídeo reproduzindo um mote de campanha do PT viralizou entre a direita, e não a esquerda. Um jornalista repetir o bordão eleitoral de quando um presidente era candidato é algo tão esteticamente desagradável quanto um jornalista de linha mais conservadora aparecer na TV fazendo arminha com os dedos — e menos ainda pode ser chamado de jornalismo sério, apesar da chancela da CNN.
Mas os efeitos do governo Lula ainda não tinham sido sentidos. Ao afirmar que “você vai voltar a ver aeroporto lotado”, Daniela Lima apontava para uma subida nas ações da empresa de turismo CVC em 2022. Já em 11 de janeiro deste ano, antes de duas semanas sob regime petista, a mesma CVC demitiu mais de cem funcionários — 4% de seu quadro.
Sem surpresa, a empresa já vinha amargando prejuízos desde a pandemia — apenas tinha apresentado um prejuízo menor desde 2022. Em vez de observar a realidade e explicar os números ao público, Daniela Lima apenas repetiu uma desculpa de Lula ainda da época de sua reeleição em 2006 (há 16 anos), quando tentava se desvencilhar do escândalo do Mensalão. Lula afirmava que “ricos” não votavam no PT porque tinham raiva de seu governo ser supostamente tão bom que estava fazendo os pobres viajarem de avião demais (provavelmente para a Suíça ou Dinamarca). Como se aviões costumassem levantar voo vazios — e como se, agora, aeroportos “voltariam” a ficar lotados com Lula no poder. A CVC que o diga.
O exemplo foi apenas um dos mais apelativos da relação dos jornalistas da velha mídia com o governo Lula: propaganda política, manipulação de informação — mesmo em números — e sentimentalismo histérico no lugar que deveria ser de informação e reflexão. Chega a ser preocupante conjecturar o que alguém que consome a velha mídia pode ter de informação verdadeira — além dos surtos de cafonice.
Com 100 dias de governo Lula, alguns jornalistas da velha mídia parecem ter vivido uma relação esquizofrênica com o papel que deveria ser da imprensa: investigar, revelar, cobrar, informar — e, claro, apresentar as visões de pessoas abalizadas, com conhecimentos importantes para a população. Hoje, parece que vale muito mais ter um oceano de “opiniões” que são relevantes apenas porque funcionam como propaganda político-partidária constante. Seguem alguns exemplos.
Orçamento secreto de Schrödiger
As emendas de relator existem desde o governo Sarney e seguem firmes e fortes com Lula. Durante o governo Bolsonaro, magicamente foram chamadas de “Orçamento secreto”. Não importa quanto tenha sido desmentido em debates, Lula adotava apenas a tática goebbelsiana de repetir a mentira mesmo assim e ainda ser chancelado pelo “jornalismo” da velha mídia.
O candidato que alegava que “tudo é secreto neste governo [de Bolsonaro]” impôs sigilo a tudo tão logo chegou ao governo, inclusive visitas. E, claro, o Orçamento continuou secreto… Apenas virou magicamente “emendas de relator” de volta na velha mídia. Emendas que, não raro, tiram poder do Executivo e o deixam refém dos caciques dos estados.
Em 13 de março, a confusão com a palavra mágica que faz algo ser ruim ou bom conforme chegue aos ouvidos confundiu a própria Folha, que afirmou que “existiam” emendas de relator na época Bolsonaro… Mas não era Orçamento secreto, e agora é que viraram emendas de relator?! Enfim, o que importa é defender o Lula e xingar Bolsonaro. E o Orçamento secreto continua aí.
Imprensa adversativa
Durante o governo Bolsonaro, ficou marcada a atuação daquilo que Silvio Navarro chamou de “imprensa adversativa”, a mídia do “mas”: o desemprego diminui, mas… O Brasil está mais seguro, mas…
O caso virou piada quando a Folha de S.Paulo condenou à eternidade o neologismo “despiora” para falar da economia — além de mais uma vez Daniela Lima cometer um faux pas e afirmar que “infelizmente” teria de dar boas notícias no meio do governo Bolsonaro.
Multiplicando as manchetes por -1 no novo governo, é hora de dar péssimas notícias, mas em tom otimista para manter as massas fanaticamente pró-PT. Zeina Latif, em um texto até proveitoso, não deixou de usar um título contraditório para manter um tom otimista: “O desemprego é alto, mas está baixo” (sic).
Já Miriam Leitão, em um texto quase nada proveitoso, tentou aliviar o desastre: “O cenário econômico não é desastroso. Mas também não é muito positivo”. Ao menos os dois lados do “mas” são negativos.
Festival de desculpas para tudo o que está ruim
As avaliações de jornalistas, que deveriam informar o público e serem minimamente mais técnicas, no governo Lula 3 não raro viraram meras invenções de desculpas para tudo o que vai afetar negativamente a população. Se tudo está piorando, você pode abdicar da realidade e correr para a velha mídia para se sentir bem, confortável e feliz em seu infortúnio.
Um caso com alguma bizarrice foi o aumento no preço da gasolina — por sinal, um tema de campanha de Bolsonaro, que conseguiu abaixar o preço do combustível, enquanto o TSE discutia se o preço da gasolina cair em ano eleitoral não seria “crime” (sic), e o STF decidia se o ICMS deveria incidir sobre a gasolina.
Com Lula, o preço do combustível explodiu, sem surpresa para quem entende o básico sobre economia — e sobre como governos de esquerda, como o do PT, atuam. A solução? Em 26 de fevereiro, uma jornalista da CNN afirmou que o preço da gasolina afeta apenas “a classe média”, e não os mais pobres. Como se até remédio, batata na feira e a moto do motoboy não precisassem de gasolina para chegar aonde precisam.
Em 15 de março, a Folha, envidando seus melhores esforços para ser um jornal totalmente a favor do PT, chegou a chamar os infames “especialistas” para nos fazer testemunhar a manchete de que a inflação (!) “dará alívio aos pobres e pesará mais na classe média”.
Fica-se com o ciclo fechado: os pobres ficarão “aliviados” em ser obrigados a pagar mais, então não pagarão nada, respirando com tranquilidade. E também vão se aliviar daquele sonho idiota de fazer parte da classe média, já que tudo o que é “coisa de classe média” fica mais caro. Assim, o governo “defende” os pobres, e os geniais “especialistas” dizem que o governo é a favor dos pobres (mantendo-os pobres), já que só a classe média é que vai ter de pagar mais imposto na TV, no celular, no computador, no carro popular — pobre terá “alívio” não tendo nada disso.
Tem também o retorno do MST. Para Daniela Lima (ela de novo), o problema das invasões de propriedade privada do grupo, que já quase foi considerado terrorista, é o de que… as invasões “estigmatizam” o movimento.
Enxurrada de boas notícias na velha mídia
Não há muito de bom a se falar sobre os 100 primeiros dias do governo Lula 3, gostando-se de Lula ou não. Resta então a ideologia: o governo seria bom porque “respeita a democracia” e… bom, tem o Bolsa Família, né?
Miriam Leitão elogiou os 45 primeiros dias do governo Lula afirmando que “eram muitas boas notícias”. Tantas que se embananou para tentar falar algo relevante. Justamente por isso, aproveitou para dizer que seu tempo havia acabado — e pouco sabemos sobre as tais “boas notícias” além de populismo eleitoreiro barato.
Lula, há cinco anos, dizia que Miriam Leitão “não acertava uma”.
O caso rendeu uma das montagens mais divertidas do novo regime.
Seis dias depois, foi a vez de Monica Waldvogel elencar as glórias do novo governo. Era um “colar de boas notícias” (sic), ainda que nenhuma fosse clara, além do velho cacoete de “democracia”.
Claro que “democracia”, no caso, significa apenas “ser o candidato preferido de jornalistas”. Falam como se Bolsonaro estivesse manipulando eleições para vencer, instaurando inquéritos de ofício em que é investigador, julgador e suposta vítima ao mesmo tempo, fazendo negócios com ditaduras e comprando deputados para um projeto de poder. Claro que nada disso é analisado pela velha mídia: apenas acusa-se Bolsonaro e defende-se Lula sem nenhum critério objetivo.
Dois pesos, duas medidas
A arte de usar dois pesos e duas medidas para fazer análises políticas (tudo de bom de Bolsonaro é ruim, tudo de ruim de Lula é bom) teve um peso maior com o atual ministro da Justiça, Flávio Dino.
Em um flagrante de como a velha mídia está costumeiramente mais interessada em manipular a realidade do que em noticiá-la, uma afirmação envolvendo o sobrepeso de Flávio Dino vinda de Bolsonaro foi tratada como “gordofobia” pela Folha, enquanto uma piada de Lula sobre o mesmo tema foi quase avaliada como um alerta da OMS sobre os riscos da obesidade. Quase científico, poder-se-ia dizer.
Está ruim? Culpa do Bolsonaro
Ao invés de análises detalhadas, com alguma complexidade e nem sempre tendo contornos e definições claras, como é típico na política, uma imensa parcela da velha mídia empenhou-se na mais rasa afirmação de que tudo o que é bom é graças ao Lula, ainda que seja o sol nascer, e tudo o que é ruim é culpa do Bolsonaro. E se Lula faz algo errado, quem deve ser citado do além?
Vera Magalhães noticiou o pior afirmando que Lula, afinal, é igualzinho a Bolsonaro — ainda que seja praticamente impossível apontar uma única política em comum aos dois mandatários.
E o mesmo vale para notícias, não apenas colunas.
Aumentou o desmatamento, tema que já envolveu Biden, Greta, Macron e o acordo entre Mercosul e União Europeia (emperrado há 15 anos) durante o governo Bolsonaro? Ora, mas agora é culpa dos governos… estaduais.
Há assassinatos em escolas em 2023? Nada de falar em criminalidade, em vidas vazias de sentido pelo materialismo (ideologia acachapante nas redações da velha mídia), em punições mais duras, em evitar drogas, laços frágeis e fortalecer famílias. A culpa, é claro, é de Bolsonaro. Ou do “ódio”: palavra que utilizam sem distinção quando alguém tira sarro de um jornalista ou quando um psicopata criado apartado da família e sem valores morais sai matando crianças desconhecidas em massa rindo com a certeza da falta de punição fomentada pela própria esquerda. Difícil crer que possamos aprender algo com quem usa termos de maneira tão absurdamente elástica.
E a hors concours: as perspectivas para o trabalho escravo vão aumentar para 2023. Adivinhe de quem é a culpa? Sim, a Folha conseguiu a façanha de colocar “Bolsonaro” num título envolvendo um ano de governo Lula.
Mas o que aconteceu com o Lula?
Se a relação da velha mídia com Lula foi esfriando e capengando tão logo descobriram que não adianta mais brincar de Bolsa Família e socialismo light para os problemas de um mundo pós-pandemia e de ideologia globalista, o amor venceu, mas virou convivência forçada para alguns após o episódio da Operação Sequaz, que desarticulou uma quadrilha que planejava assassinar o então ministro Sergio Moro (um dos criminosos deixou uma planilha de custos em casa detalhando doação a um blog que divulgou mensagens privadas roubadas de Moro e outras pessoas).
O caso veio um dia após Lula admitir que, enquanto era presidiário, antes de ser descondenado à canetada por decisão monocrática no STF, só pensava em “f**** Sergio Moro”. Os jornalistas da velha mídia — boa parte deles com fortes aproximações com o tucanato — chegaram a questionar a saúde mental do presidente.
Mas claro que alguns seguiam firmes e fortes no lulismo.
O caso mais extremista foi o de Reinaldo Azevedo, que chamava Lula de “apedeuta”, “babalorixá da Banânia” e outros termos do mesmo escol, antes de a Operação Lava Jato e de Sergio Moro começarem a se aproximar do ninho tucano e de empreiteiras como a Odebrecht.
Para Reinaldo Azevedo, se a grande mídia inteira dizia que talvez fosse hora de Lula falar menos — por golpe do destino, Lula teve de se afastar para cuidados médicos no dia seguinte —, então Lula tinha de falar menos porque Lula… acertava demais.
Devemos lembrar que falamos do mesmo Reinaldo Azevedo que entrevistou Lula neste ano, começando a entrevista perguntando como Lula evitava se sentir “onipotente”, como se fosse Deus.
Revista Oeste