Quando se fala da disputa
política, parece que a
batalha pelas declarações
fiscais de Trump acabou.
E há boas razões para
pensar que Trump venceu
Em duas decisões ontem, a Suprema Corte dos EUA aparentemente impôs ao presidente Donald Trump derrotas sobre a divulgação de seus registros financeiros pessoais. Foi uma rejeição aos argumentos de Trump sobre a amplitude de seu poder como chefe do Executivo e ele deixou claro seu descontentamento em tuítes furiosos.
A primeira decisão, que permitiu ao procurador de Manhattan Cyrus Vance acessar os registros, representa uma ameaça ao presidente. Vance já prometeu uma investigação, o que poderia resultar em acusações criminais contra Trump ou a Organização Trump.
Quando se fala da disputa política, entretanto, parece que a batalha pelas declarações fiscais de Trump acabou. E há boas razões para pensar que Trump venceu. Ele garantiu repetidamente ao público por anos que liberaria suas declarações se fosse eleito, mesmo antes de sua candidatura real de 2016. Quando o anúncio formal de candidatura se aproximou, no início de 2015, ele insistiu que liberaria seus impostos. Um ano depois, a mesma mensagem.
Mas não demorou muito para isso mudar. Em fevereiro de 2016, Trump tinha uma nova desculpa, oferecida durante um debate presidencial nas primárias.
“Quero liberar minhas declarações fiscais, mas não posso enquanto eu estiver sob uma auditoria”, disse ele. “Estamos sob uma auditoria de rotina. Eu passo por isso há anos. E, obviamente, se estou sendo auditado, não divulgarei minhas declarações.”
Essa se tornou sua linha de argumentação. Os especialistas observaram que não havia uma proscrição legal contra a liberação dos dados fiscais sob auditoria e todos os candidatos à presidência desde Richard Nixon haviam divulgado essa documentação (Nixon, por exemplo, divulgou seu imposto de renda que estava sob auditoria).
Dado o histórico de honestidade de Trump, surgiram dúvidas sobre se suas declarações de renda estavam realmente sendo auditadas. Em resposta, ele divulgou um comunicado de sua empresa de contabilidade dizendo que os últimos anos, de fato, foram auditados. Quando ficou claro que anos passados, que não estavam mais sob auditoria, poderiam ser liberados, Trump ainda hesitava.
Depois que ele venceu a eleição, a desculpa oferecida por Trump e seus defensores mudou: os eleitores decidiram que ele deveria ser presidente sem ver os registros, e a insistência para que ele divulgasse as informações era irrelevante.
Dois anos depois, os democratas retomaram a Câmara nas eleições de meio de mandato e lançaram uma série de investigações abrangentes sobre o presidente e seus negócios. Várias comissões da Câmara, agora sob liderança democrata, buscaram registros detalhando as participações financeiras e a história de Trump. Em setembro de 2019, Vance se juntou a eles.
Essa questão sobre se Trump poderia ou deveria se recusar a fornecer informações à Câmara se tornou um dos artigos sobre os quais ele recebeu o impeachment na Câmara em dezembro. Mas a Câmara foi forçada a recorrer aos tribunais para que Trump cumprisse o pedido para divulgar as declarações, uma medida que levou à decisão da Suprema Corte.
Em sua sentença, a Suprema Corte não disse que Trump precisa entregar os registros. Em vez disso, afirma que os tribunais inferiores devem responder a essa pergunta, o que quase certamente significa que a questão não será resolvida antes das eleições de novembro. Provavelmente, a questão não será resolvida antes do encerramento do Congresso em janeiro – quando as intimações atuais expiram, a menos que sejam renovadas.
Em outras palavras, apesar de suas frustrações expressadas no Twitter, Trump provavelmente venceu a luta política, garantindo que seus registros não caíssem nas mãos dos democratas da Câmara antes da eleição presidencial de novembro.
O caso de Manhattan é diferente. É possível que o procurador avance com uma investigação que possa levar a uma acusação contra Trump ou seus negócios privados antes do dia das eleições. Trump e sua equipe, no entanto, recorrerão a todos os obstáculos possíveis para impedir Vance de injetar uma surpresa em outubro (ou novembro) nas eleições. Esse tem sido o plano desde o início.
Se o atraso temporário for de apenas quatro meses já será o suficiente para que ele passe o dia das eleições. Mas pode não demorar tanto. A ex-procuradora dos EUA e atual professora de direito da Universidade do Alabama Joyce Vance (sem relação com o procurador de Manhattan) aponta que o ritmo do processo nos tribunais inferiores varia. Se quiserem acelerar algo, será acelerado. E se eles acelerarem as audiências que rejeitam as defesas de Trump contra Vance, as coisas ainda podem ficar difíceis para a reeleição do presidente.
Se levar mais de quatro meses para resolver – como Sekulow e Trump claramente esperam – não é que o risco para o presidente desaparecerá. Ele ainda pode estar em apuros legais se Vance começar a bisbilhotar seus dados, mas, se Trump tiver vencido a reeleição, terá uma posição muito melhor para desviar quaisquer acusações que possam surgir.
Philip Bump, The Washington Post, O Estado de S.Paulo