Conservadores não são contrários ao uso de instrumentos estatais em momentos de crise, mas sabem que a dose é difícil de definir e que a inação é muitas vezes preferível à ação
De Winston S. Churchill a Franklin D. Roosevelt em menos de um ano de governo? Biógrafo de Churchill, por quem é notoriamente influenciado e preguiçosamente comparado, o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson, lançou nesta semana um plano de recuperação da economia que ele próprio comparou ao New Deal do presidente norte-americano. As medidas para combater as consequências econômicas da pandemia do novo coronavírus foram anunciadas pelo chanceler do Tesouro, Rishi Sunak, e podem chegar a até 30 bilhões de libras.
Ampliar a intervenção estatal na economia em momentos de crise é sempre uma tentação a que um político conservador não deveria ceder. Por isso, o New Deal inglês pode se tornar o calcanhar de aquiles do governo de Johnson. Se o plano for bem-sucedido, a curto prazo aumentará o capital político do primeiro-ministro, vai mantê-lo no cargo, facilitará o processo de saída da União Europeia. Se for malsucedido, a médio e longo prazos aumentará o tamanho do Estado e do welfare state inglês, poderá prolongar os efeitos negativos da crise, atrapalhar o processo de saída da União Europeia e fazer com que Johnson perca a eleição para o Partido Trabalhista, hoje liderado por sir Keir Starmer.
A vida do primeiro-ministro inglês nunca foi fácil desde que assumiu o posto, em julho de 2019. Johnson enfrentou um Parlamento hostil, uma União Europeia ressentida e mesmo assim conseguiu aprovar seu plano para o Brexit e vencer a eleição em dezembro do mesmo ano.
O New Deal pode ter contribuído para agravar e estender as consequências negativas da Grande Depressão
Tendo que lidar com as consequências da pandemia da covid-19, Jonhson acha que deve adotar no Reino Unido um conjunto de programas estatais que carregam o espírito daqueles instituídos entre 1933 e 1937 pelo governo Roosevelt para recuperar a economia norte-americana devastada pela Grande Depressão.
O grande problema é a natureza intervencionista das medidas de estímulo econômico que o primeiro-ministro inglês deseja implementar. Sabemos como o intervencionismo começa, jamais como termina.
Há uma disputa histórica e teórica a respeito das causas e do prolongamento da Grande Depressão. Uma corrente intervencionista defende o acerto do governo Roosevelt e só lamenta o fato de a intervenção estatal não ter sido maior. Uma corrente anti-intervencionista, que eu reputo correta, considera o New Deal o responsável por agravar e estender as consequências negativas da Grande Depressão. O ótimo livro The Forgotten Man: A New History of the Great Depression, de Amity Shlaes, e o debate que a obra provocou merecem leitura por revelar as posições antagônicas a respeito do assunto.
Historicamente, os tories divergem a respeito de políticas protecionistas
A cada crise nacional ou internacional, como a atual pandemia, o keynesianismo emerge: foi assim, por exemplo, após as duas guerras mundiais, após a Grande Depressão, após a crise de 2008 e agora. A explicação é simples: trata-se de teoria que seduz qualquer político que não quer ser responsabilizado pela inação. E, caso fracasse com políticas intervencionistas, não pagará o preço por seus erros. A conta será paga, como sempre, pelos indivíduos de uma sociedade.
Neste momento de guerra contra o novo coronavírus, Johnson preferiu Keynes a Churchill. A decisão é excêntrica considerando as críticas que Keynes fez em 1925 ao então chanceler do Tesouro no ensaio “As consequências econômicas do Sr. Churchill” e à própria posição contundente de Churchill contra o New Deal. Churchill escreveu, num artigo publicado em 1937, que o New Deal de Roosevelt era uma guerra implacável contra as empresas e a consequência seria uma nova depressão mundial. Roosevelt deu o troco ao retardar o apoio à Inglaterra durante a 2ª Guerra.
Historicamente, os tories divergem a respeito de políticas protecionistas, ora as defendendo, ora as rejeitando. Foi assim, por exemplo, em 1846, quando o primeiro-ministro Robert Peel contrariou o partido e conseguiu no Parlamento a revogação das Corn Laws; em 1904, quando Churchill migrou do partido Tory para o Whig por ser contra o regresso do protecionismo defendido por uma ala dos tories; a partir de 1979, quando Margaret Thatcher assumiu a liderança do Partido Conservador e inseriu sua visão livre-mercadista, que mereceu críticas severas de seus colegas tories e de Roger Scruton.
Johnson foi pressionado a mudar o discurso e a ação do governo diante dos mortos pela covid-19
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Conservadores não são contrários ao uso de instrumentos estatais para ajudar a sociedade em momentos de crise, mas sabem pela experiência histórica que a dose é sempre difícil de definir e que a inação é muitas vezes preferível à ação. A prudente desconfiança conservadora em relação aos efeitos benéficos do intervencionismo estatal é o que os diferencia das demais posições políticas. Além disso, sabem que o crescimento do Estado é irreversível.
Em situações extremas, o líder político é pressionado pelas circunstâncias a tomar decisões. Johnson foi pressionado a mudar o discurso e a ação do governo diante da explosão do número de infectados e de mortos pela covid-19. Agora, com seu New Deal, tenta dar uma resposta à sociedade de que fará de tudo para minimizar os efeitos econômicos da pandemia. Em ambos os casos, foi severamente criticado por aliados e adversários por seus erros. Está mais do que na hora de Johnson esquecer Roosevelt, retomar Churchill e passar a ser severamente criticado por seus acertos.
Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record).
Revista Oeste