Em artigo publicado pelo jornal Gazeta do Povo, o jornalista J. R. Guzzo questiona a declaração do ministro e a atuação política dos membros do STF
Já faz tempo que os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram, por unanimidade de votos, que nada do que dizem em público precisa fazer sentido.
Por que não?
Se as suas sentenças são fruto de um livre-pensar que dispensa a presença de vida inteligente, ou de algum tipo de compromisso com as leis do país, é apenas natural que também não se obriguem a seguir a lógica comum em suas declarações ao Brasil e ao mundo.
Na maioria das vezes, ninguém presta mais muita atenção às bulas expedidas pelos ministros – a não ser, eventualmente, algum psiquiatra que esteja envolvido na observação de comportamentos suspeitos nas áreas da ruptura com a realidade e da mania de grandeza.
Mas a cada manifesto que lhes ocorre lançar sobre o bem e o mal, os integrantes do nosso Excelso Pretório contribuem para congestionar ainda mais o que Millôr Fernandes talvez chamasse de “Acervo Nacional das Declarações Cretinas”.
Uma hora vai acabar faltando espaço.
O último surto ficou, mais uma vez, a cargo do ministro Gilmar Mendes.
Num debate do Instituto Brasiliense de Direito Público, escola privada da qual ele próprio é um dos sócios, Gilmar acusou subitamente o Exército brasileiro de ser cúmplice do “genocídio” que estaria arrasando o Brasil com a covid-19.
Denunciou os cúmplices, mas não citou quem seriam os autores do crime; talvez seja mais uma inovação que o STF oferece ao direito penal brasileiro – o delito que só tem cúmplices.
O problema, em todo caso, não está aí.
O ministro não diz que “genocídio” é esse – será que ele está falando da epidemia mundial que nos últimos seis meses atingiu quase 13 milhões de pessoas em todo o mundo e já causou cerca de 570.000 mortes?
Parece que sim, mas não há nenhuma pista sobre a seguinte dúvida: porque diabo a covid-19 está matando gente nos quatro cantos do planeta, mas só há genocídio no Brasil?
Ninguém sabe, também, o que o Exército brasileiro tem a ver com isso – ao contrário, está trabalhando todos os dias na ajuda ao combate da epidemia, com a ação de quase 35.000 homens.
É muitíssimo mais, com certeza, de tudo o que os onze ministros do STF jamais farão, somados, em todas as suas vidas, para dar alguma contribuição prática nesta tragédia.
Pelo retrospecto da sua militância política atual, o ministro Gilmar parece estar jogando a culpa de tudo no presidente Jair Bolsonaro e em seu governo.
É mais um mistério: se alguém tem de ser acusado de “genocídio” pelas 72.000 mortes que a epidemia causou até agora no Brasil, seriam os 27 governadores de Estado e os 5.500 prefeitos brasileiros a quem o próprio STF, que hoje é quem decide tudo neste país, da nomeação de chefes de polícia à aplicação da cloroquina, entregou a exclusividade do combate à epidemia.
O governo federal ficou expressamente proibido de tomar decisões no combate à covid; como poderia, então, ser responsável pelo desastre?
Mais responsável é o próprio STF, já que foi ele quem teve a ideia de entregar tudo à “autoridades locais”.
O ministro Gilmar se declarou inconformado com o fato de não haver um ministro da Saúde efetivo há mais de 50 dias; pelo jeito, ele parece achar que o problema do Brasil é a falta de ministro, e não a presença do vírus.
É essa, então, a causa do “genocídio”?
Não tem pé nem cabeça.
Desde quando o fato de haver ou não um ministro da Saúde, ou de qualquer outra coisa, tem alguma relação com o que acontece de bom ou de ruim na sua área de ação?
Mas nada precisa ter pé nem cabeça quando algum dos onze ministros desse STF que está aí abre a boca para dizer ou decidir alguma coisa.
Estão numa “trip”, como se diz.
Vão continuar assim, com as suas lagostas, as suas licenças-prêmio e a sua compulsão em declarar inconstitucional tudo o que possa prejudicar o seu bolso.
Fica a cargo de cada um estabelecer que grau de imparcialidade alguém pode esperar dessa gente.
Revista Oeste