Os incêndios florestais que atingiram a região de Alter do Chão, no Pará, no início do semestre são alvo de duas investigações diferentes. As autoridades discutem de quem é a jurisdição do caso.
Uma das investigações, na esfera estadual, gerou indignação por parte de organizações não-governamentais e ativistas ambientais após quatro voluntários que ajudaram nos esforços de combate ao fogo serem presos nesta semana. Eles foram apontados pela Polícia Civil como suspeitos de atear fogo para lucrar com doações para o combate às chamas.
Os quatro foram presos na manhã de terça-feira (26) e soltos na tarde de quinta, depois que a Justiça concedeu alvará de soltura, conforme mostra o vídeo abaixo. O juiz, que na véspera havia negado a liberdade aos voluntários, fez uma “reanálise” do caso após o cumprimento do mandado de busca e apreensão.
Juiz não viu fatos novos para manter prisão
Segundo o magistrado apontou na decisão que determinou a soltura, “a autoridade policial não apresentou subsídios ou fatos novos que tornassem imprescindível a manutenção da custódia cautelar”. Os suspeitos, no entanto, ainda respondem ao inquérito policial, e tiveram inclusive que entregar seus passaportes à Justiça.
Crimes em área da União e do estado
As duas investigações foram abertas em paralelo porque, a princípio, parecem apurar crimes cometidos em áreas diferentes: uma municipal e outra federal:
- ESFERA ESTADUAL: a Polícia Civil do Pará abriu em setembro um inquérito para apurar a autoria das queimadas que atingiram a Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão, uma área de administração municipal (do município de Santarém);
- ESFERA FEDERAL: o Ministério Público Federal (MPF) abriu em 2015 um inquérito para apurar a ocupação irregular da região conhecida como Capadócia, que reúne terras públicas de administração federal (da União) disputadas por grileiros, o que resulta na “degradação ambiental”.
Pressão de grileiros
O distrito de Alter do Chão pertence à cidade de Santarém, a terceira mais populosa do Pará. Às margens do rio Tapajós, a região é conhecida pelas praias de água doce que atraem milhares de turistas. Mas o desenvolvimento turístico e imobiliário, além da expansão do cultivo de soja, também aumentam a pressão de grileiros em terras públicas na área, segundo o MPF.
O G1 visitou a região da bacia do Tapajós para a 5ª edição do Desafio Natureza, em abril deste ano. Foram 10 dias de viagem para mostrar a situação do desmatamento em áreas de conservação e os atrativos turísticos da área
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Veja abaixo as principais perguntas e respostas sobre as investigações em Alter do Chão:
Os crimes investigados são os mesmos?
Nem todos. A Polícia Civil abriu um inquérito especificamente para investigar incêndios florestais que atingiram a APA Alter do Chão em setembro deste ano.
Já o MPF investiga, desde 2015, a ocupação desordenada da região de Alter do Chão. A investigação não apontou suspeitos pelos incêndios ocorridos na região neste ano, mas, no ano passado, já condenou um grileiro por desmatamento ilegal em terras públicas.
Silas da Silva Soares foi condenado pela Justiça Federal após uma denúncia do MPF por desmatamento ilegal dentro da APA Alter do Chão. Soares foi condenado a 6 anos de prisão e também a pagamento pela recuperação da área degradada. O homem, no entanto, continua foragido.
Imagens aéreas de uma das áreas afetadas pelas chamas em Alter do Chão — Foto: Brigada de Alter do Chão
O MPF também investiga as queimadas de setembro?
Sim. Em setembro, quando uma grande área de Alter do Chão foi atingida por queimadas, o MPF comunicou que havia a suspeita de que um dos focos de incêndio teria sido iniciado em uma área invadida por Soares.
Na ocasião, os bombeiros atuaram ao lado da Brigada de Alter do Chão no combate às chamas. O incêndio consumiu 1.175 hectares da vegetação.
Por que o MPF também investiga as queimadas de setembro?
Porque a área na qual o órgão investiga a suspeita é a região conhecida localmente como Capadócia, onde já foi verificada a ação de grileiros no inquérito em andamento desde 2015. Essa área inclui, em grande parte, duas terras públicas federais: a Gleba Federal Arrecadada Mojuí dos Campos I e o Projeto Agroextrativista do Eixo Forte, um assentamento administrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Como são terras da União, a autoridade que deve conduzir a investigação também é federal. Por isso, o MPF diz que concentra sua investigação, primeiramente, em esclarecer se a origem dos incêndios foi ou não a região da Capadócia.
“Se ficar confirmado que as queimadas ocorreram em terras públicas federais, o MPF entende que a atribuição para investigar não é da Polícia Civil”, disse a promotoria em nota publicada nesta quinta-feira (28).
Houve queimadas fora dessa região?
Sim, elas também atingiram a APA Alter do Chão, de administração do município de Santarém e, portanto, dentro da jurisdição da Polícia Civil paraense. A lei que criou a APA foi sancionada pelo prefeito da cidade em julho de 2003.
Foi nessa APA que os voluntários da brigada de incêndio de Alter do Chão atuaram em setembro, junto aos bombeiros e até o Exército, para conter as chamas. Segundo moradores locais afirmaram ao G1, essa foi a pior temporada de queimadas em cerca de cinco anos, afetando diretamente a comunidade, com fumaça e cinzas chegando até as áreas habitadas.
Os quatro brigadistas depois de deixarem a prisão em Santarém, no Pará — Foto: Sílvia Vieira/G1
Enquanto nas investigações do MPF o principal suspeito é um grileiro atualmente foragido da Justiça, o inquérito da Polícia Civil, que pediu a prisão dos quatro voluntários da brigada, sustenta que foram eles responsáveis por provocar incêndios na APA e, depois, lucrar com doações destinadas ao combate do fogo.
Parentes e amigos dos quatro suspeitos afirmaram que eles são inocentes e que o inquérito não oferecem provas concretas de atos ilícitos.
Comércio da praia do Amor, em Alter do Chão, durante a cheia — Foto: Marcelo Brandt/G1
Qual é a importância dessas terras públicas?
Outro ponto de destaque na investigação federal sobre a ocupação desordenada e as queimadas na região é a comprovação da importância da biodiversidade local.
“As florestas locais são compostas de quatro tipos de sistemas florestais, mais a savana ou cerrado amazônico, um tipo de vegetação que ocorre em apenas 7% do bioma e é considerado de extrema relevância para conservação”, disse o MPF em nota divulgada em setembro.
A água entre as árvores na floresta encantada, em Alter do Chão — Foto: Marcelo Brandt/G1
As conclusões do MPF se baseiam em duas fontes: um estudo da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) sobre a ocupação desordenada em Alter do Chão e uma nota técnica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A nota do ICMBio revela a presença de vegetação bem conservada em pelo menos 67% da APA Alter do Chão, mesmo com a presença humana. Segundo o órgão, essa conclusão mostra que são urgentes intervenções “contra o avanço de invasores de terras públicas”.
O pôr do sol entre as árvores da floresta encantada, Alter do Chão — Foto: Marcelo Brandt/G1
A área onde ocorreram os incêndios em setembro concentra pelo menos 475 espécies de árvores que abrigam 300 espécies de aves. Há ainda diversas espécies de mamíferos de médio e grande porte, seis deles ameaçados de extinção: a onça-pintada, a onça-vermelha, o maracajá-peludo, o maracajá-preto, o cachorro-vinagre e a guariba-de-mãos-ruivas.
Desmatamento e desenvolvimento sustentável
A bacia do rio Tapajós, onde fica Alter do Chão, também é alvo de debates entre aqueles que defendem obras de grande porte, como a expansão da malha de transporte de produtos agrícolas como a soja, e aqueles que temem que as estruturas sejam vetores de desmatamento na floresta amazônica.
No centro da discussão está, ainda, a instalação de hidrelétricas, a construção de um complexo de portos e de três ferrovias na região.
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Em maio, a promotora de Justiça Ione Nakamura, do Ministério Público do Estado do Pará, afirmou que a bacia do Tapajós foi transformada em área de interesse para diferentes atividades econômicas. “É uma área de expansão agrícola, minerária, projetos de infraestrutura e de logística”, afirma a promotora.
Para ela, um ponto a ser considerado na avaliação do conjunto de obras é o possível aumento desenfreado da população na região, e o impacto que ela pode causar. Ela defende a busca do equilíbrio.
Ambientalistas dizem que, para atingir esse equilíbrio, é preciso investir em projetos que preservam a floresta e garantam renda local. A produção de alimentos e a extração de madeira e de outros produtos da Amazônia podem seguir regras e não afetar o equilíbrio da floresta. Movelaria, extração de óleo e produção de mudas são outras atividades que podem ser desenvolvidas por meio do manejo sustentável dentro de unidades de conservação
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