terça-feira, 2 de abril de 2019

"O significado do ingresso brasileiro na OCDE", por Saulo Stefanone Alle

Saulo Stefanone Alle. FOTO: DIVULGAÇÃO
Voltou à cena o tema do ingresso brasileiro como membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE). A relação entre o Brasil e a OCDE teve início há quase 40 anos, com um convite da OCDE para que o país tomasse parte no Comitê do Aço. O ingresso efetivo nesse comitê levou alguns anos para acontecer e, desde então, o Brasil se tornou um parceiro chave dessa organização internacional, apesar de nunca ter dado o passo definitivo para nela ingressar.
O embaixador Denis Fontes de Souza Pinto escreveu OCDE, uma visão brasileira, obra básica para a compreensão das relações entre Brasil e a entidade. Nela, relata que a relação entre Brasil e OCDE só se estabeleceu de modo relevante a partir da década de 1990. O marco da relação teria sido a ida da missão brasileira à organização, em junho de 1991. Dentre as justificativas para se destacar esse momento, estão tanto a “eleição de novo governo no Brasil comprometido com o aprimoramento das relações com o Primeiro Mundo” quanto a intenção manifesta da OCDE em promover sua abertura para novos Estados.
Ainda segundo o diplomata, essa primeira aproximação teria o propósito de coletar informações que permitissem refletir um modo de iniciar relações, sem a pretensão de ingressar como um membro da organização. Ademais, pensou-se em áreas nas quais a aproximação seria mais interessante e acessível, excluindo-se, por exemplo, “em um primeiro momento, aquelas áreas nas quais (o Brasil) teria de assumir obrigações legais que não estava em condições de cumprir”. Privilegiou-se, portanto, o início de uma relação gradual, com maior troca de informações e prestigiando-se o conhecimento mútuo, sem a assunção de obrigações legais de maior impacto.
Assim, em 1992, o Brasil tornou-se observador nos comitês de Meio Ambiente, Administração Pública e de Indústria. No Comitê do Aço, o Brasil assumiu uma cadeira de participante efetivo, em 1996, após o processo de privatização do setor. Esses fatos reforçam o fato de que o ingresso na OCDE demanda o alinhamento do ambiente legal e político interno às diretrizes dos comitês da entidade.
Em 1997, o Brasil tornou-se observador no Comitê de Investimentos e Empresas Multinacionais (Cime), após cerca de dois anos participando de algumas de suas atividades. Esse é um comitê de especial relevância para a OCDE, motivo pelo qual o ingresso como observador requer um processo mais rigoroso de seleção, implicando, inclusive, a necessidade de adesão à Declaração sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais (condição atendida pelo Brasil).
Essa relação de aproximação teve grande peso em reformas realizadas no Brasil, quase sempre apontadas como fundamentais para o estreitamento de relações com a OCDE. Da Emenda Constitucional n.6 à Lei da Empresa Limpa, em tudo há alguma influência da OCDE, reconhecida por sua sistemática que associa o think tank (produção de conhecimentos), rule maker (elaboração de normas) e o peer pressure (pressão dos pares). Essa aproximação com a OCDE aprimorou o ambiente de investimentos, mas tornou desinteressante o ingresso efetivo na OCDE. Afinal, atender aos padrões de qualidade, sem perder o protagonismo entre os países em desenvolvimento, tornou-se uma posição interessante.
Em maio de 2007, o Conselho da OCDE, em nível ministerial, adotou a resolução denominada Council Resolution on Enlargement and Enhanced Engagement, que faz menção expressa à necessidade de se expandir o alcance global da OCDE, seu impacto político e sua relevância. Dentre os pontos de que trata, está o processo já avançado de admissão de novos membros, definição de novos espaços que merecerão atenção com a finalidade de obter novos integrantes e decisões de caráter financeiro. No documento, o secretário geral convida ao fortalecimento da cooperação com o Brasil, além de China, Índia, Indonésia e África do Sul, sempre objetivando uma possível preparação para o ingresso como membro da organização.
Entretanto, o paradoxo que deteve o ingresso brasileiro na OCDE também envolve outros países. Brasil, China, Índia, Indonésia e África do Sul reconhecem que as demandas criadas pelo ingresso na OCDE, juntamente com o reposicionamento político que isso representa – tirando-os do protagonismo dentre os países em desenvolvimento e os aproximando do grupo dos mais ricos – pode custar caro e não trazer o retorno em investimentos que se espera. Um exemplo de ônus pelo ingresso na OCDE é a menção americana à exclusão do tratamento favorecido que a Organização Mundial do Comércio reconhece aos países em desenvolvimento.
A proximidade com a OCDE foi favorável para a conformação de um ambiente de investimentos brasileiro mais adequado à expectativa dos investidores estrangeiros, mas o ingresso como membro efetivo pode gerar uma pressão maior, com reflexos incertos na competitividade diante do mercado global. Esse paradoxo pesou historicamente. Já neste momento tão peculiar, essa equação entre o preparo brasileiro (amadurecido ao longo de décadas) e o interesse brasileiro parece estar em convergência pela primeira vez na história. Entretanto, é preciso ter em mente que, com as oportunidades, virão também exigências e ônus.
*Saulo Stefanone Alle é doutor e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pesquisador independente e advogado especialista em Direito Público e Internacional no Peixoto & Cury Advogados

O Estado de São Paulo