terça-feira, 30 de janeiro de 2018

"A restrição do carro oficial", editorial do Estadão

Está em estudo na Casa Civil da Presidência da República uma proposta de decreto, elaborada pelo Ministério do Planejamento, que restringe fortemente o uso de carros oficiais na esfera do Poder Executivo federal, segundo informa o jornal Valor Econômico. Com a finalidade de economizar recursos, a medida limita o uso desses veículos a 39 autoridades: o presidente da República, o vice-presidente da República, os ministros de Estado, os três comandantes das Forças Armadas e os ex-presidentes da República. Atualmente, 528 autoridades podem usar os “veículos de transporte institucional”.
O Ministério do Planejamento estima uma economia anual de R$ 73 milhões com as novas regras. A proposta é que as autoridades que perderem o direito de usar carro oficial passem a utilizar nos deslocamentos por motivo de trabalho o aplicativo TaxiGov. Em funcionamento desde o ano passado no Distrito Federal, é um sistema de transporte de servidores públicos por meio de agenciamento de táxis.
A meta do governo é que todas as instituições da administração direta federal migrem para o TaxiGov durante o primeiro semestre de 2018. Decreto do Ministério do Planejamento, publicado recentemente, determinou, por exemplo, que as entidades autárquicas e as fundações do Poder Executivo Federal, localizadas no Distrito Federal, utilizem o aplicativo. Além de proibir que as entidades celebrem novos contratos de transporte, ou prorroguem os atuais, a medida ordena a realização de “ações destinadas a desmobilização e desfazimento de veículos”.
Nas áreas em que foi implantado o serviço do TaxiGov, verificou-se uma redução de gastos de até 60% em relação aos modelos de transporte anteriores. Ao deixar de ser proprietário dos veículos, o governo elimina uma série de custos que antes tinha: manutenção, abastecimento, seguro e, principalmente, salários e encargos trabalhistas com motoristas.
A manutenção de carros oficiais envolve uma cadeia de despesas considerável. É recomendável, portanto, que o seu uso seja limitado rigorosamente às situações de fato necessárias. Essa é a praxe nos países desenvolvidos, que habitualmente restringem a utilização de carro oficial a pouquíssimas autoridades. No Brasil, adotou-se a prática inversa, concedendo aos ocupantes de muitos cargos o uso de carro oficial. O Ministério do Planejamento calcula que, pelas regras em vigor, mais de mil pessoas, na esfera do Poder Executivo federal, podem usar carros oficiais. Por exemplo, os secretários de Ministérios e os chefes de gabinetes têm direito a utilizar veículo oficial.
A necessidade do ajuste fiscal – o esforço para que o Estado deixe de gastar mais do que arrecada – serve para reduzir alguns privilégios que se foram instalando no poder público, em suas mais variadas esferas. Toda a economia produzida pela extinção dessas benesses, ainda que o valor, em algum caso, não seja especialmente expressivo, é um passo para o reequilíbrio fiscal, mas também para a implantação de mais austeridade no trato da coisa pública. Significa que o Estado está mais próximo da eficiência, da racionalidade do uso dos recursos econômicos e, principalmente, da igualdade de todos perante a lei. Se a atual crise fiscal deixa claro que não cabem privilégios no Orçamento nacional – não há dinheiro para custeá-los –, é igualmente claro que não cabem privilégios numa República. É uma questão não apenas de redução de despesas, mas de compromisso com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, é muito oportuno que o exemplo do Executivo se estenda ao Legislativo e ao Judiciário, com uma expressiva redução de carros oficiais. É um acinte a frota oficial que habitualmente se vê nas redondezas de tribunais, o que inclui as cortes estaduais. Nos Estados Unidos, por exemplo, em todo o Judiciário, apenas o presidente da Suprema Corte tem direito a carro oficial. Além de denotar mais respeito com o contribuinte e com o seu dinheiro, tal prática contribui enormemente para fortalecer a autoridade dos juízes.