quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A nova roupagem do velho Trump


Donald Trump aplaude durante o discurso sobre o Estado da União, em Washington - WIN MCNAMEE / AFP


Henrique Gomes Batista, O Globo



WASHINGTON — Apelando para o patriotismo e o orgulho americanos, o presidente Donald Trump apresentou na noite desta terça-feira um discurso num tom diferente do habitual. Em vez de acusar os democratas, usou o “Estado da União” para pedir que ambos os partidos trabalhassem em conjunto. Abusando de histórias de heróis da vida comum, enviou uma mensagem de união e prosperidade num tom muito mais comedido que costuma ter no Twitter. Falou sete vezes a palavra “love”. Mas por trás de um estilo muito mais pertinente ao cargo de presidente da maior potência do planeta, ele não deixou de ser o velho Trump.

Se por um lado falou quatro vezes a palavra “Deus”, defendeu a liberdade religiosa e o direito às armas, não tratou de grandes temas que marcaram seu primeiro ano na Casa Branca. Não falou do movimento feminista, evitou o meio ambiente - a não ser indiretamente para comemorar a volta da exploração do “lindo e limpo” carvão. Ignorou os direitos humanos, a diversidade sexual e a trama russa que pode levá-lo a um processo de impeachment.

Trump, muitas vezes aplaudido de pé, citou muitas das grandes tragédias que se abateram sobre o país neste ano - de furacões e incêndios à chacina de Las Vegas, o maior incidente com armas de fogo do país - mas não tratou de Charlottesville, palco de uma manifestação de racistas e neonazistas que causou a morte de uma ativista dos direitos dos negros. Silenciou sobre a questão racial, justo no ano em que se completam os 50 anos do assassinato de Martin Luther King.

O presidente defendeu fortemente seu projeto de imigração, mas usou a maior parte do tempo para lembrar que os “caras maus” entram pela fronteira e matam americanos - levando famílias de duas vítimas ao Congresso. Defendeu o muro na fronteira com o México - país que evitou citar nominalmente. Assim como não falou da Palestina, mas citou Israel e comemorou o fato de ter reconhecido Jerusalém como capital - e voltou a ameaçar, de forma muito mais sutil, os países que não sigam os EUA nesta decisão, afirmando que a “benevolência” americana, em doações que somam “bilhões de dólares”, deve ser direcionada aos “amigos”.
Falando mais que o normal nestas oportunidades sobre política externa, apresentou China e Rússia como ameaças, mostrou preocupação com Cuba, Venezuela e o Afeganistão, defendeu a retomada do envio de presos à prisão de Guantánamo. E mirou fortemente na Coreia do Norte, mas evitando ameaças diretas contra o regime de Pyongyang. No momento mais próximo do velho Trump, prometeu “aniquilar” terroristas e disse que, em alguns casos, eles podem ser presos e interrogados, mas que no geral precisam “ser tratados como terroristas”.

Mas para o público americano que ficou mais de uma hora ouvindo o presidente, a mensagem que mais reverberá será a econômica. Prometendo uma época de ouro para as famílias, uma prosperidade de uma grandeza que muitos economistas sérios não enxergam no futuro próximo. Mesmo sem ter apresentado seu projeto de infraestrutura, “repetiu” Dilma Rousseff no PAC e quase “dobrou a meta” antes mesmo do primeiro trator começar a atuar: agora, o pacote de obras será de US$ 1,5 trilhão ( US$ 500 bilhões a mais que o prometido há um ano), valor astronômico, equivalente ao PIB brasileiro. Mas isso basta para que seus eleitores esqueçam de todos os pecados do presidente, que os moderados voltem a sorrir com mais dinheiro no bolso e que os republicanos se unam e sonhem com bons resultados nas eleições legislativas de novembro.

Foi a aposta mais coerente de Donald Trump para ter um pouco de paz em seu governo. Ele pode conseguir uma certa “lua de mel” que não gozou com os americanos no início de seu governo. Agora é ver quanto tempo demorará para ele abandonar o estilo “paz e amor” e voltar para a trincheira do Twitter.