domingo, 20 de setembro de 2015

Fed pode prolongar turbulência até março de 2016, diz economista

THAIS BILENKY
DE NOVA YORK

Folha de São Paulo


A falta de transparência do Federal Reserve (banco central americano) deve prolongar o circo armado em torno da decisão sobre a elevação de juros nos EUA, afirma o economista Andrew Levin.

Ex-assessor da atual presidente do Fed, Janet Yellen, ele defende que o banco passe a expor mais abertamente com qual cenário trabalha.

Nesta semana, o Fed decidiu manter a taxa básica entre zero e 0,25%, praticada desde a crise de 2008.

Arquivo pessoal
andrew levin professor de economia e ex assessor do federal reserve. Foto: Arquivo Pessoal ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Andrew Levin, professor de economia na Faculdade de Dartmouth

Alguns analistas começam a esperar que a elevação não aconteça antes de 2016, o que pode estender a volatilidade no mercado financeiro até a reunião de março, diz Levin, hoje professor na Faculdade de Dartmouth.

Moedas no mundo inteiro se desvalorizaram diante do dólar com a expectativa de que recursos hoje aplicados em mercados emergentes sejam transferidos para os EUA.

"Isso cria muita incerteza e não ajuda a economia dos EUA nem a do mundo."
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Folha - Por que a expectativa pela decisão do Fed causou tanta volatilidade?
Andrew Levin - A estratégia de curto prazo do Fed se tornou tão opaca que até os analistas mais experimentados têm que adivinhar o que esperar das reuniões. É urgente que os membros do comitê de política monetária passem a considerar estratégias mais transparentes.
A falta de transparência traz danos à economia?
Cria muita incerteza e não ajuda a economia dos EUA nem a do mundo. Políticas monetárias —e governamentais, em geral— têm que ser previsíveis, claras, transparentes e comunicadas de forma sistemática para que o público tome decisões bem-informado. A prosperidade do setor privado depende, em parte, das decisões do Fed.
Não só nos EUA.
Isso serve para qualquer banco central no mundo e, certamente, para o Fed, porque suas decisões trazem consequências, não somente para os americanos, mas para pessoas no mundo todo.
Como tornar a comunicação mais clara?
Existem teorias econômicas relativamente simples como a regra de Taylor que seriam facilmente compreendidas pelo público e pelos investidores. O Fed poderia começar a usar esses modelos para explicar a sua estratégia. Os membros podem discordar de um indicador ou de outro e deixar isso claro e sugerir alternativas. Mas, ao expor essas discussões, eles certamente ajudariam a evitar o problema que tivemos nos últimos dois meses.
O senhor era favorável à elevação dos juros nesta semana?
O Fed não deveria estar nem próximo de começar a elevar a taxa.
Por quê?
Membros do Fed disseram, em comunicados, que os EUA estão próximos do pleno emprego [a taxa atual de desemprego é de 5,1% e o pleno emprego se dá aos 5%]. Mas o indicador convencional não incorpora o desemprego oculto, formado, por exemplo, por pessoas que não encontram emprego de período integral. O "verdadeiro" desemprego está em cerca de 7,25%.
E a inflação?
Os comunicados recentes do comitê sustentam que os membros estão "razoavelmente confiantes" de que a inflação caminhará em direção à meta de 2% [a taxa está em 0,2%]. Mas não parece sábio dar tanto peso ao indicador de inflação do Fed, que se mostrou excessivamente otimista, em detrimento do exame mais atencioso de salários e preços.
A volatilidade vai continuar?
Infelizmente, deve continuar. As pessoas passarão os próximos meses tentando adivinhar se os membros do Fed vão aumentar os juros em dezembro. E, lá por novembro, teremos o mesmo ciclo que tivemos nos últimos dois meses. E a incerteza pode não ser resolvida em dezembro. Muita gente no mercado acha que não haverá mudança antes do ano que vem. Então, podemos ter a mesma situação em março.
A incerteza afeta particularmente mercados emergentes como o Brasil?
Para qualquer país, é sempre verdade que é bom ter instituições sólidas e boas políticas, para que, quando chegam tempos mais difíceis, e turbulências sempre acontecem, a economia esteja mais protegida e menos suscetível.
Há o agravante da China.
As principais economias no mundo estão preocupadas com a China, não só com o mercado de ações e o câmbio, mas com a composição fundamental da economia chinesa e as políticas do país. Não parece que essas equações serão resolvidas logo. Provavelmente, será um processo longo e doloroso, para o mundo inteiro, porque a China é hoje uma das maiores, senão a maior economia do mundo.
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  • RAIO-X ANDREW LEVIN
Formação:
- doutor em economia pela Universidade Stanford
Carreira:
- professor de economia na faculdade de Dartmouth
- economista no Federal Reserve por 20 anos, foi assessor especial do então presidente, Ben Bernanke, e sua então vice, Janet Yellen, entre 2012 e 2012
- ex-conselheiro no FMI (Fundo Monetário Internacional)
- foi consultor do Banco Central Europeu e do Banco Central do Canada
- foi scholar visitante do BC do Japão e do BC da Holanda