segunda-feira, 1 de junho de 2015

Favela com 12 mil pessoas cresce a 17 km do Palácio do Planalto

Rubens Valente - Folha de São Paulo


Na noite de terça-feira (19), cerca de mil pessoas foram ao ginásio de esportes da região conhecida como Chácara Santa Luzia, em Brasília, para uma audiência pública com representantes do governo do Distrito Federal.

A apenas 17 quilômetros da praça dos Três Poderes, mais de 12 mil pessoas vivem em barracos de madeira e casas simples de alvenaria, em uma das áreas mais abandonadas do Distrito Federal, sem água potável, energia e esgoto.

"É uma vergonha vivermos em condição subumana. O lixo apodrecendo na porta de nossas casas. A gente liga para a administração e eles dizem que não podem fazer nada. Nossas crianças [estão] adoecendo, porque temos água contaminada do lixão", disse ao microfone o pintor Antônio da Costa Araújo.

Ele era ouvido pelo administrador regional (espécie de prefeito designado pelo governo para cada região do DF), o presidente da Caesb (companhia de água e esgoto) e outros funcionários.


LIXÃO

Os moradores não têm coleta diária de lixo, que fica espalhado nas ruas. Em dias de chuva, o chorume produzido pelo lixo se mistura com a água e invade as casas.
Segundo a associação dos moradores, cerca de 70% dos habitantes adultos, além de algumas crianças, trabalham como catadores do Lixão da Estrutural, que fica a poucos metros do local. De acordo com estudo divulgado em 2014, esse é o maior lixão em atividade na América Latina.

Desde 2009, segundo dados do governo do DF, sete catadores morreram esmagados por tratores e caminhões, além de ter havido outros sete acidentes graves, incluindo braços, dedos e pés decepados. O local recebe cerca de 1.100 caminhões de lixo e de entulho de construção civil por dia, que levantam poeira e espalham mau cheiro.

"Vivemos numa situação que eu posso dizer que é até desumana. As piores condições estão impostas. Nós vivemos aqui largados", disse o morador Domingos Barbosa.

INVASÃO

Nascida de uma invasão na década de 1990 e nunca regularizada, a favela se ampliou no último um ano e meio.

Após erguerem barracos em um terreno pertencente ao Exército ao lado do Parque Nacional de Brasília, cerca de 270 famílias foram retiradas pelo governo há um ano e reassentadas em uma área contígua sem infraestrutura.

Os índices de violência preocupam os moradores, que se sentem discriminados nos outros bairros da região. De acordo com o pintor Antônio Araújo, as pessoas costumam dar endereço falso quando procuram emprego.

Na tarde de quinta (21), um homem que, segundo vizinhos, saiu há poucos dias da cadeia, recebeu vários tiros enquanto descansava em seu barraco –aFolha presenciou o socorro pelos bombeiros.

"Quando a gente precisa de qualquer coisa em termos de esgoto, lixo, água e energia, os órgãos dizem que a gente não existe no mapa", queixou-se o presidente da associação de moradores, Adairton Teixeira da Paz Costa.

Os moradores recorrem a ligações clandestinas de água e luz. Há cerca de seis meses, segundo Costa, um deles morreu eletrocutado em um poste na rua enquanto tentava resolver um problema.

Uma das atuais dores de cabeça entre os moradores é a decisão da Caesb de emitir e cobrar contas de água que, segundo eles, não chega aos domicílios. Muitos passaram a se recusar a pagar pelo serviço. Como consequência, estão sendo inscritos nos serviços de proteção ao crédito.

Os moradores prometem uma dura reação ao abandono. Em março e agosto do ano passado, eles queimaram pneus e interditaram vias de acesso ao Plano Piloto, região nobre de Brasília. Eles prometem repetir os protestos.

MELHORIA

"O administrador [do governo] disse que não é a favor de manifestação. Só que ele não se lembra que a Estrutural foi construída através de manifestação", discursou a moradora Poliana Silva ao microfone, na reunião.

"Enquanto a Santa Luzia não tiver melhoria, eu acho que todos nós vamos queimar pneus, fechar a rodovia, que é a solução". A plateia explodiu em aplausos.
Na segunda-feira (25), os moradores fecharam por horas a entrada do lixão, após mais um acidente fatal.

O deputado distrital e pastor evangélico Rodrigo Delmasso (PTN), que tem reduto eleitoral na região e organizou a audiência pública, disse que não há nenhumainiciativa do governo federal para socorrer os moradores.

"Eles estão na condição de invasores. Mas estão nessa condição porque não há uma política habitacional definida para eles", afirmou.