segunda-feira, 29 de junho de 2015

Papéis de Odebrecht e Andrade Gutierrez negociados no exterior caem após prisão de executivos cúmplices da dupla Lula-Dilma

Ronaldo D`Ercole - O Globo

Bônus das empresas já estão sendo negociados a 80,6% do valor de face. Em dezembro de 2014, eram vendidos a 101% do valor de face



As incertezas sobre os desdobramentos da Operação Lava-Jato nos negócios da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, cujos presidentes foram presos no último dia 19, mudaram o humor dos investidores internacionais que, no jargão do mercado, já “punem” as duas empresas. Dona de um estoque de cerca de US$ 13,7 bilhões em títulos de dívida 


Os bônus com vencimento em 2021, um dos que têm mais liquidez, por exemplo, eram negociados na última sexta-feira a 80,6% do valor de face, que é de US$ 100. Bem abaixo do registrado no dia em que o presidente do grupo foi preso, que era de 85%, e ainda mais distante das cotações de dezembro de 2014, quando os papéis eram negociados a 101,4% — ou seja, os investidores pagavam um prêmio para tê-los em seus portfólios. Em outubro de 2012, as cotações atingiram um patamar ainda maior: 117%.

Já os bônus da Andrade Gutierrez com vencimento em 2018, fruto de uma captação de US$ 500 milhões feita pela empresa em 2013, que eram negociados a 85% do valor de face (US$ 100) no dia 19, na última sexta-feira saíam por 77%. Situação preocupante, mas ainda distante da crise vivida pela OAS, outra envolvida na Lava-Jato que está em default, cujos bônus, que valem US$ 100, eram cotados a apenas US$ 21 semana passada.

— Toda vez que há um fato novo sobre um emissor, os investidores reavaliam suas posições. E, diante das incertezas decorrentes da Lava-Jato, os investidores mais conservadores se desfazem preventivamente dos papéis das duas empresas, derrubando seus preços — diz Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, que fez o levantamento das cotações.

REBAIXAMENTO PELAS AGÊNCIAS DE RISCO

Em boa parte, a perda de valor dos papéis reflete as reavaliações feitas pelas agências de classificação de risco. Na terça-feira, a Standard & Poor’s (S&P) rebaixou de “BBB” para “BBB-” o rating da Odebrecht Engenharia e Construção (OEC), alegando maiores “riscos reputacionais”. Embora esteja ainda no último nível de grau de investimento, a S&P colocou a nota em perspectiva negativa, o que significa haver uma chance em três de a empresa perder o grau de investimento. Isso seria um empecilho na hora de obter crédito no exterior. Outra agência, a Moody’s, não mexeu na nota, mas colocou em “revisão para rebaixamento” os ratings da OEC e da Andrade Gutierrez.

“Embora as investigações ainda estejam em andamento e eventuais sentenças ou penalidades ainda não tenham sido determinadas, esses eventos podem afetar negativamente a execução das estratégias de crescimento da empresa no curto prazo e pressionar ainda mais os já desafiadores fundamentos da indústria de engenharia e construção no Brasil”, argumentou a Moody’s.

Mesmo dispondo de caixas relativamente altos para os compromissos de curto prazo, a perspectiva de restrições às fontes de crédito é uma preocupação que pode pôr em risco a capacidade operacional dos dois grupos, que estão à frente de alguns dos principais projetos de infraestrutura em andamento no país. As divisões de construção das duas empresas estão à frente de grandes obras, como as hidrelétricas de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), e Belo Monte, no Rio Xingu (PA), além do Parque Olímpico e da Transcarioca, no Rio de Janeiro.

— Dificilmente um banco vai dar crédito a uma empresa enrolada. Por causa da Lava-Jato, quase nenhuma empresa de construção tem conseguido pegar dinheiro em bancos, porque eles não são capazes de saber quem está envolvido ou não. O crédito está muito restrito — diz Eduardo Padilha, diretor da Planos Engenharia.

Uma dúvida que inquieta o setor de construção refere-se ao comportamento do BNDES em relação às concessões arrematadas pelos dois grupos. A Odebrecht, por exemplo, ganhou recentemente a concessão da BR-163, importante via de escoamento de grãos de Mato Grosso para os portos do Sudeste, e a do Aeroporto Galeão/Tom Jobim, no Rio. Em ambos os casos o BNDES se comprometera a financiar até 70% dos investimentos previstos com juros pela TJLP mais 2%, por 25 anos.

— Esses projetos serão comprometidos caso o BNDES se recuse a financiá-los — diz um especialista.

Procurado, o BNDES informou que “os projetos em curso continuam com as condições que já foram pactadas”. Na prática, isso significa que continuam valendo prazos e taxas definidos anteriormente. “Para os projetos que estão em análise ou que venham a ser apresentados ao banco, o BNDES vai adotar o rigor usual no que diz respeito à análise do projeto, de crédito e estruturação de garantias”, explicou o banco em nota.

EMPRESAS QUEREM EVITAR QUE INVESTIGAÇÕES CONTAMINEM OUTROS NEGÓCIOS

Até para preservar o acesso ao crédito, a maior preocupação dos dois grupos, neste momento, segundo fontes próximas às organizações, é que as investigações em curso, cujo alvo são as divisões de construção e engenharia, não contaminem seus outros negócios. A área de construção da Odebrecht, cujas empresas, aqui e no exterior, ficam sob o guarda-chuva da Construtora Norberto Odebrecht (CNO), responde por 31% da receita bruta do conglomerado. No ranking 2014 das maiores construtoras do país, elaborado pela revista “O Empreiteiro”, a Odebrecht está em primeiro lugar, seguida da Andrade Gutierrez.

— O que está sendo investigado é uma empresa (pessoa jurídica) que faz parte de um grande grupo e, pelo princípio da personalidade jurídica, as coisas não deveriam se confundir — diz um especialista próximo a um dos grupos.

Outra razão pela qual as empresas mobilizam suas defesas para separar os negócios da construção dos demais são os processos que deverão correr nas esferas jurídicas e administrativas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por exemplo, já está analisando a denúncia de formação de cartel entre as empreiteiras nos negócios com a Petrobras. Se confirmada a ação coordenada das empresas denunciadas, elas estarão sujeitas a multas pesadíssimas — de até 20% do faturamento. O mesmo ocorre em relação à Lei Anticorrupção, que prevê multa similar em caso de condenação.

Há ainda as restrições administrativas previstas pelas leis de Improbidade Administrativa e de Licitações, que, em caso de comprovação de delitos, podem banir as empreiteiras de participação em novos leilões de obras públicas e concessões.

— Essas várias vertentes podem, ao fim dos processos civis e administrativos, gerar penalidades pecuniárias e restritivas muito fortes. Por isso, é fundamental, em cada uma delas, restringir os processos à pessoa jurídica investigada. Não tem lógica jurídica incluir nessas investigações outros negócios — argumenta a fonte.

Paulo Furquim de Azevedo, professor de doutorado do Insper e que por quatro anos foi conselheiro do Cade, diz que, mesmo que as empresas consigam isolar as áreas de construção, a Lava-Jato produzirá “um choque tremendo dentro das estruturas” dos grupos.

Mas o desgaste deve ser enorme, em sua visão, uma vez que os processos, tanto na esfera judicial como administrativa, devem ser longos. Para Furquim, como consequência desses processos, pode haver uma mudança nas regras do jogo da indústria da construção, especialmente no campo das obras públicas. Área que, segundo ele, tem como característica a atuação de grandes grupos familiares, que desenvolveram ao longo do tempo a capacidade de se relacionar com o Estado.

— Essa é uma regra que vigora há tempos, tanto que a participação de grupos de capital internacional é inexistente — diz. — Por isso, dependendo do desfecho dos processos, essa indústria pode passar por uma fase de grande transformação. Há, sim, uma chance bem razoável de termos mudanças importantes nas condições de concorrência nessa área, e que o fato de ter um bom relacionamento com o Estado passe a ser menos importante. É um movimento virtuoso.

Odebrecht e Andrade Gutierrez informaram, na semana passada, que vinham colaborando com as investigações da Lava-Jato e consideraram desnecessárias as prisões de seus executivos. A Odebrecht já estava fazendo uma investigação interna sobre os fatos apurados pela operação da Polícia Federal. A Andrade Gutierrez disse não ter relação com as irregularidades investigadas.