Alex Sabino - Folha de São Paulo
Para o cientista político, Fifa necessita de mudanças estruturais
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O cientista político americano Roger Pielke Jr. |
Acostumado a prever mudanças climáticas, o cientista norte-americano Roger Pielke Jr, 46, mergulhou, a partir de 2011, no estudo das instituições esportivas.
Pesquisador de inovação e política, é também especialista em esportes e sociedade na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos.
Ele afirma não ver solução para o fim da corrupção na Fifa que não seja uma mudança radical do modelo da entidade que controla o futebol.
"Uma instituição que comanda bilhões não pode ser um clube de cavalheiros na Suíça", defende.
A solução proposta pelo professor é simples: que a Fifa se adapte ao mundo das grandes empresas e esteja sujeita às leis e fiscalização inerentes à iniciativa privada.
Em entrevista à Folha minutos após a reeleição de Joseph Blatter para a presidência, Pielke Jr prefere ter uma visão pragmática. Ao mesmo tempo que acredita que a ruptura pode ser radical, não acredita que esta virá dos patrocinadores.
Nenhuma marca vai abrir mão de estar associada de uma competição do tamanho da Copa do Mundo, a não ser que algo muito dramático aconteça nos próximos meses.
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Folha - Qual o futuro da Fifa com todas essas denúncias de corrupção?
Roger Pielke Jr - Não sabemos o que vai acontecer por causa da investigação. Os rumores são que novas acusações vão surgir, tanto nos Estados Unidos quanto na Suíça (a Receita Federal dos EUA informou estar confiante em uma nova rodada de indiciamentos no caso sobre corrupção no futebol). Ele [Joseph Blatter] ter sido reeleito garante que o status quo vai continuar, pelo menos por enquanto. Blatter tem motivos para acreditar nisso. Se olharmos para 2011, também existiam muitas reclamações e denúncias. Blatter se reelegeu mesmo assim e o assunto morreu. Mas não acho que isso vai acontecer agora.
As denúncias de corrupção são causadas pela ausência de instrumentos de fiscalização?
Sem dúvida. A Fifa tem característica de uma grande empresa, mas não joga por essas regras. Se fosse uma companhia multinacional, teria de seguir diferentes regras, mas isso não acontece porque querem passar a imagem de instituição sem fins lucrativos. Se você olha a quantidade de dinheiro que circula no futebol, acreditar nisso é risível.
Fazer a Fifa ser fiscalizada como uma grande empresa é a única saída?
É a melhor, mas não é a única. Nos esportes olímpicos, há a agência antidopping (Wada) que tem como objetivo excluir a corrupção do doping. De uma forma diferente, é o que o futebol precisa. Fiscalização. A Wada serve como bom exemplo porque combina governo com negócio. É algo que serviria para a Fifa. Poderia também ser organização mais formalizada internacionalmente, nos moldes da Unesco [sigla de Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em português]. Mas diante da importância que o futebol tem, pelo dinheiro que atrai, a Fifa deveria ser incorporada como um gigantesco e multinacional negócio, sujeito às leis e fiscalizado de acordo com esse princípio.
Dentro do modelo atual que a Fifa está constituída, é possível fazer algo para evitar a corrupção?
É muito difícil. E justamente por ser difícil, muitos dirigentes da Fifa querem que continue como está. Eles agora estão em apuros apenas porque violaram leis americanas nos Estados Unidos. Talvez se ficassem restritos à Suíça, Reino Unido ou outros países, tudo estaria como antes. É bem possível que agora as leis suíças se tornem mais rigorosas. A Fifa pode mudar a sede para evitar essas regulações.
E para onde poderia ir?
Eu escutei sobre Qatar. O ICC [Conselho Internacional de Críquete] foi para lá. Mas mudar a principal instuição do críquete é uma coisa. No futebol é totalmente diferente. Pode ser uma solução conveniente para a Fifa porque os dirigentes sabem que enquanto a Copa do Mundo for o evento mais assistido do mundo, vai ter demanda.
Diante das denúncias de corrupção e por causa da imagem arranhada da Fifa, é possível imaginar que patrocinadores como a Coca-Cola ou a Visa vão abandonar os contratos com a entidade?
Não. Os patrocinadores são muito poderosos e importantes porque oferecem muito dinheiro. Nenhuma marca vai querer descolar sua imagem de um torneio como a Copa do Mundo, vamos ser sinceros. Veja o caso do [ciclista norte-americano] Lance Armstrong [banido do esporte por doping]. Existiam alegações de doping por muitos anos. Os patrocinadores foram os últimos a abandoná-lo, mas o fizeram, eventualmente. Os patrocinadores não são muito pró-ativos, especialmente quando há tanto em jogo. Se houver mais alegações de corrupção, talvez eles façam alguma coisa. Mas não espere que essas empresas tomem a liderança.
Nós estamos vendo uma chance inédita de mudar estruturalmente a Fifa?
Parece que sim. Mas já houve outras oportunidades no passado e muita gente fez coisas erradas. É um momento de muita incerteza e tudo depende da profundidade da investigação e se as testemunhas vão querer oferecer mais evidências contra a Fifa. Se acabar aqui e a investigação na Suíça e nos Estados Unidos não derem em mais nada, a entidade continuará como está. O que vai acontecer nas próximas semanas será fundamental.
O senhor considera provável que Sepp Blatter cumpra os quatro anos do mandato que acabou de receber?
Depende da profundidade da investigação. Sepp Blatter é um gênio político. Isso não resta dúvida. Ele sabe como ficar no poder. A natureza da organização ajuda, é verdade, mas ele a conhece profundamente e sabe o que oferecer. Tudo na Fifa depende do suporte central e quem oferece isso é Blatter. Ele oferece fundo de desenvolvimento para instituições nacionais e, com isso, movimenta o dinheiro.
O senhor já escreveu a respeito de "obstáculos para fiscalizar e imputar responsabilidade na governabilidade de instituições esportivas internacionais" e listou federações acusadas de corrupção. Uma punição ou consequência profunda neste caso da Fifa teria o poder de espalhar o medo de mudanças a entidades internacionais de outros esportes?
Fifa não é única [acusada de corrupção]. Os procedimentos no futebol são também comuns em outras associações esportivas. Nós olhamos mais para a Fifa porque o futebol é muito grande. Se o futebol tiver todas as características de grande corporação e jogar nas mesmas regras globais das demais empresas, com acordos comerciais, isso permitiria globalizar esse procedimento. Por que nós devemos tratar organizações esportivas diferentes? Elas não devem jogar sob as mesmas regras dos outros? As pessoas se importam. Movimenta muito dinheiro. Isso torna tudo ainda mais sério. Uma instituição que comanda bilhões não pode ser um clube de cavalheiros na Suíça.
RAIO-X
Roger Pielke Jr.
Roger Pielke Jr.
Idade
46
46
Formação
Formado em matemática, políticas públicas e ciências sociais
Experiência
Professor e pesquisador da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos.
Pesquisador de ciência, inovações e políticas
Especialista em esportes e sociedade
Pesquisador de ciência, inovações e políticas
Especialista em esportes e sociedade