sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

'Nas mãos do Senado', por Sílvio Navarro

A menos de dois anos das próximas eleições, a esquerda já reconhece a derrota e tenta impedir a direita de controlar o Senado — que pode colocar freios no Supremo


 

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) | Foto: Montagem Revista Oeste/Marcelo Camargo/Joédson Alves/Agência Brasil/Edilson Rodrigues/Agência Senad


No ano passado, as capas das edições 238 e 241 de Oeste, intituladas “O naufrágio da esquerda” e “A cara do Brasil”, mostraram qual foi o caminho escolhido pelo eleitor brasileiro para os próximos quatro anos. As reportagens retratam o cenário que saiu das urnas no primeiro e no segundo turno das eleições municipais, respectivamente. A direita esmagou o PT e seus satélites em todos os recortes possíveis do mapa de votação. Em 2026, o país terá outra — e mais importante — eleição. A esquerda já reconhece a provável derrota. Então, qual é a solução? Vão tentar mudar as regras do jogo. 

O monstrengo legislativo se chama Projeto de Lei nº 4.629, de 2024, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). Ele é o líder do governo Lula da Silva no Congresso, portanto, não é exagero afirmar que também atua em nome do chefe. O petista quer mudar a fórmula da escolha dos futuros senadores, cuja eleição é feita de forma fracionada a cada quatro anos. No último pleito, houve eleição para um terço da Casa (27 senadores); no ano que vem, serão dois terços (54 cadeiras). 


Senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) | Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

Como funciona a escolha desses dois nomes hoje? Ao contrário dos deputados, o cargo de senador é majoritário, ou seja, é uma chapa — como presidente ou governador. O senador, inclusive, tem dois suplentes, que assumem o mandato em caso de vacância — e não a coligação de partidos, como ocorre na Câmara. A Constituição manda que o eleitor vote em dois nomes para o Senado em 2026. Randolfe quer acabar com essa “dobradinha”. A intenção dele é que o eleitor vote em apenas um nome. E ficariam com as vagas os dois mais bem votados na apuração, numericamente. 

Por que ele propôs isso? Porque, pela lógica, a chance de nomes de direita saírem vitoriosos em bloco é grande. Em vários Estados, principalmente no centro-sul do país, a direita deve ter “dobradinhas”, com dois nomes favoritos. Já a esquerda enfrenta a escassez de políticos competitivos e não consegue renovar seus quadros há anos. Basta uma simples pergunta: “Em Estados como São Paulo ou Paraná, ou no Centro-Oeste, por exemplo, quem seriam os candidatos apoiados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro?”. A lista é grande. E por Lula e pelo PT? Nenhum nome surge automaticamente. 

Eis o que diz o projeto de Randolfe: “O eleitor é psicologicamente condicionado a fazer escolhas singulares. Na disputa de todos os demais cargos eletivos, o eleitor vota em um único candidato. É ilusório acreditar que, tendo de votar em dois candidatos a senador, ele dedique o mesmo grau de atenção e cuidado naquela que constitui a sua segunda escolha.”

O petista continua: “Conforme amplamente reconhecido pelos cientistas políticos, o sistema de voto único intransferível, confrontado com o de voto em bloco individual, tende a favorecer uma maior pluralidade na representação política, o que é saudável para a democracia, ao evitar a excessiva concentração de poder em determinados grupos políticos e mitigar os riscos da tirania da maioria.” A tradução é: o consórcio que está no poder está com medo de perder. O próprio petista terá de renovar seu mandato em 2026 e sabe que a chance de ficar de fora é grande. Ele não conseguiu eleger nenhum prefeito no Amapá em outubro. Tampouco tem base de vereadores na região.

“Altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, para estabelecer que, na renovação de dois terços do Senado Federal, cada eleitor disporá de um voto, sendo eleitos os dois candidatos mais bem votados.” (Trecho do projeto de Randolfe Rodrigues)

Na semana passada, ele retirou seu projeto da pauta do Senado para forçar um caminho mais fácil de ser aprovado: o texto será analisado junto com a proposta de reforma do Código Eleitoral. A depender da escolha do candidato à Presidência no campo da direita, caso a Justiça Eleitoral insista em deixar Bolsonaro fora do jogo, é possível que governadores em término de mandato concorram ao Senado, como Ratinho Júnior (PR) e Romeu Zema (MG). Em algumas praças, algumas candidaturas já foram colocadas, como os deputados Marcel van Hattem (Novo-RS), Ricardo Salles (Novo-SP), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a jornalista Cristina Graeml (PR). 


Deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) | Foto: Pedro França/Agência Senado


Do ponto de vista da capilaridade, outro dado: o PT, partido do presidente da República, não é mais a principal força da esquerda depois das eleições municipais: fez 252 prefeitos, desempenho inferior ao do PSB (312). Ganhou apenas em uma capital, Fortaleza (CE), numa disputa apertadíssima no segundo turno. Em São Paulo, o maior Estado da federação, fez quatro prefeituras pequenas — Mauá, Santa Lúcia, Lucianópolis e Matão — e perdeu em seus redutos históricos. O Psol, que nasceu de uma costela petista e hoje reúne a ala mais ideológica da esquerda, não elegeu nenhum prefeito — tem só 13 deputados federais, 22 estaduais e pouco mais de 80 vereadores.

Impeachment de ministros do STF 

No Senado, os votos são mais fáceis de mapear, seja pelo caráter personalista de cada político, seja pela aritmética: são 81 cadeiras, e não 513, como na Câmara. Com exceção de votações secretas e morte, quando o suplente herda definitivamente a cadeira, o tamanho da base governista e da oposição muda pouco — aconteceu em São Paulo, quando o desconhecido Giordano (MDB) sucedeu Major Olímpio, que morreu em 2021. 

 A última vez que o consórcio de poder, formado por Lula e pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mediu sua força na Casa foi na eleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para comandar a Casa. O placar foi de 49 a 32, contra Rogério Marinho (PL-RN). Ele está de saída e deve ser substituído pelo aliado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) no mês que vem.

Hoje, quem controla o Senado é o PSD (15 cadeiras), cujo dono da sigla, Gilberto Kassab, já admitiu que não faz política por ideologia: é aliado de qualquer governo, desde que tenha cargos graúdos na máquina. Mas o PL encostou e tem 14 senadores. Resta ainda o MDB (11), que ainda mantém influência na Casa desde José Sarney. O PT tem nove senadores, mas seis deles encerrarão o mandato no próximo ano. 


Gilberto Kassab (SP) é o presidente nacional do PSD | Foto: Divulgação/PSD


Aqui entra novamente a matemática, que preocupa Lula e, principalmente, os ministros do STF. A maioria desses 32 nomes de direita vai continuar lá. A eles, podem se juntar de 30 a 40 nomes, como afirmou Jair Bolsonaro (veja abaixo), o que significaria uma maioria folgada para conduzir a Casa. Se isso se confirmar, o primeiro passo seria eleger um sucessor para Alcolumbre disposto a colocar em votação as dezenas de pedidos de impeachment de ministros do Supremo — só contra Alexandre de Moraes, foram quase cem nos últimos anos. 

Lula foi reabilitado politicamente e voltou a Brasília por causa do Supremo Tribunal Federal. Nessa metade de mandato, deixou claro que é a Corte quem dá as cartas no país, e colocou a Polícia Federal a serviço da toga. Já indicou dois novos ministros — Cristiano Zanin e Flávio Dino. Randolfe Rodrigues não é só líder do governo no Legislativo. É líder de um consórcio que não quer perder poder. 

Jair M. Bolsonaro @jairbolsonaro · Seguir - Eleições 2026: - Prevendo mais um fracasso em 2026 a esquerda trabalha em duas frentes: o eleitor ter direito a um só voto para o Senado e a aliança com candidatos de outros partidos que, caso eleitos, não tomariam posições durante seus mandatos (senador isentão). - A Direita… Mostrar mais 

Sílvio Navarro, Revista Oeste