A ampla maioria dos pagadores de impostos não quer ser governada pela esquerda | Foto: Montagem Revista Oeste/Freepik/IA
O desempenho sofrível da esquerda nas urnas — mesmo com todo o empenho da mídia tradicional — prova que, sem a interferência do Judiciário, a direita é o caminho preferido do eleitor
O segundo turno das eleições municipais no país, encerrado no domingo, 27, reforçou a fotografia da rodada inicial: a ampla maioria dos pagadores de impostos não quer ser governada pela esquerda, rejeita a patrulha do Judiciário na política e escolheu candidatos de direita — com uma agenda que vai do liberalismo ao conservadorismo. Essa é a cara do Brasil. O mapa das urnas retrata também que esse cenário é completamente diferente do que o consórcio de poder instalado em Brasília pelo presidente Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal (STF), com apoio da imprensa tradicional, tenta empurrar para a sociedade.
Os números não precisam de legenda (veja os gráficos abaixo): a esquerda foi dizimada em cidades de todos os tamanhos e regiões do país. O PT só venceu em uma capital: Fortaleza (CE), numa das mais apertadas disputas deste ano, resolvida por 9 mil votos. A legenda terminou a corrida eleitoral com o status de sigla de pequeno porte (252 prefeituras), menor do que o também minguado — e outrora seu antagonista — PSDB (276).
Outro exemplo: o Psol, nascido da costela do petismo e que representa a agenda woke e o “progressismo”, não fez nenhum prefeito nas 200 disputas em que entrou. O PCdoB fez 19. A Rede, 4. O PSB saiu melhor — 312 — porque conseguiu renovar parte dos quadros, por exemplo o prefeito de Recife (PE), João Campos. A aritmética não deixa dúvidas: as agremiações que se definem como de esquerda não terão um quarto das prefeituras a partir de janeiro. Resta ainda uma massa de siglas satélites, que mudam de lado por conveniência regional, como PDT, Podemos, Solidariedade, PV etc. O resto foi dominado pela centro-direita. Não há outra palavra para descrever a atuação de Lula e da primeiradama, Janja da Silva, como cabos eleitorais senão vexame. Em quase todas as cidades onde a dupla se meteu na campanha, seus candidatos ficaram pelo caminho.
Lula visitou 26 cidades e ganhou em 4. No segundo turno, praticamente desistiu de participar de campanhas. Janja ficou no traço — pior, ainda se expôs, gravando vídeos para Maria do Rosário, em Porto Alegre, imitando um diálogo da candidata americana Kamala Harris com o casal Obama, e outro acusando o prefeito reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes, de agredir a mulher. A estratégia de apoio virtual da primeira-dama falhou.
No Estado de São Paulo, maior colégio eleitoral do Brasil, alguns resultados ocorrem em redutos simbólicos: Araraquara (SP), com o fim da hegemonia do prefeito Edinho Silva, no ABC paulista — Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema —, Osasco, Guarulhos, Campinas e no litoral. O PT vai governar somente os municípios de Mauá, Matão, Santa Lúcia e Lucianópolis. O desempenho pífio abriu uma crise interna: o vice-presidente do partido, Washington Quaquá (RJ), disse que a chapa Guilherme Boulos e Marta Suplicy na principal cidade do país foi um erro.
“Boulos era a crônica de uma morte anunciada. Escolhemos uma candidatura com um teto de limite de eleitores de esquerda. Parece que reaprendemos a gostar de perder”, disse. “O governo federal também não atuou coordenando e apoiando sua base. Age como se não tivesse responsabilidade com as eleições. Se não mudarmos, seremos derrotados em 2026.” A despeito do estilo de Quaquá, o “petista-raiz”, conhecido por sair no tapa com adversários — ele responde a processos no Conselho de Ética da Câmara —, não é necessário ser cientista político para concordar.
Mesmo com todo o esforço dos comentaristas da GloboNews, por exemplo, que chegaram a afirmar que Boulos só precisava de mais uma semana de campanha (leia artigo nesta edição) para virar a eleição, não é um cenário crível. Figuras como Boulos e Maria do Rosário têm, de fato, um teto eleitoral cada vez mais baixo por causa do histórico de radicalismos e da tendência conservadora do brasileiro. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), que não é bem recebido no Congresso Nacional desde o começo do mandato, foi na mesma linha de Quaquá e acabou repreendido publicamente por Gleisi Hoffmann, presidente da sigla. Ela não gostou da analogia futebolística feita pelo colega, segundo quem o PT estava na zona de rebaixamento do campeonato.
“Ofender o partido, fazendo graça, e diminuir nosso esforço nacional não contribui para alterar essa correlação de forças”, disse Gleisi. “Padilha devia focar nas articulações políticas do governo, de sua responsabilidade, que ajudaram a chegar a esses resultados.” Gleisi tem sido pressionada para deixar o comando do partido antes de junho de 2025, quando termina o seu mandato. No Congresso, corre a versão de que Lula deve acomodá-la num ministério em janeiro, o que funcionaria como uma “saída honrosa”, uma licença do posto. Mas há outro dilema: quem será o substituto? Até o início de outubro, o favorito era Edinho Silva, que saiu abalado pelo fracasso em Araraquara.
Em meio à lavagem de roupa suja do PT, ainda apareceu o ministro Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação), o responsável pela distribuição de verbas para a imprensa que defende o governo Lula. Ele faz parte da lista de derrotados: seu candidato perdeu a eleição na cidade gaúcha de Santa Maria. Mas Pimenta sacou uma frase que nem os jornalistas da GloboNews entenderam, numa entrevista ao vivo. O petista disse que “as urnas falam” e que a mensagem foi “a derrota da extrema direita”. E concluiu, numa ginástica impressionante: “O governo saiu fortalecido do processo”.
O Brasil ‘endireitou’
Um levantamento do site Poder360 mostra ainda que, pela primeira vez desde as eleições de 1996 — antes da aprovação da emenda da reeleição no governo Fernando Henrique Cardoso —, cinco legendas que reúnem políticos de centro-direita voltaram a ganhar musculatura e dominam o país. São elas: PSD, MDB, PP, PL e o confuso União Brasil — fusão do extinto DEM, que já foi PFL, com o que sobrou do PSL “bolsonarista”. Juntas, elegeram 65% dos prefeitos — 3.615 municípios. Se somar a esse grupo o Republicanos, do governador paulista Tarcísio de Freitas, que elegeu 440 prefeitos, o avanço da centro-direita é ainda maior.
O partido deve ganhar mais força nacional em fevereiro com a provável vitória do deputado Hugo Motta (PB) para a presidência da Câmara. Aqui cabe a ressalva: com exceção do PL e do Novo, essas siglas do “centrão” não deram exatamente as costas ao governo Lula. Mas deixaram claro que o acordo é restrito a Brasília: uma troca de votos em pautas econômicas no Congresso Nacional pela chefia de ministérios e estatais. Ou seja, quando começa a corrida eleitoral, o jogo é outro. E isso ficará ainda mais acentuado com um provável desembarque formal dessas siglas até 2026. Dez entre dez líderes de partidos na Câmara afirmam que, se o lulismo confirmar o naufrágio, ninguém vai aderir a uma chapa presidencial fadada a perder.
Ao contrário da esquerda, refém do “lulismo” em declínio, o triunfo da direita é acompanhado por rostos jovens na política. A maioria dos quadros em ascensão no Congresso Nacional e nas Câmaras Municipais foi eleita com discursos anti-PT. Algumas bandeiras ganharam novo fôlego, como a defesa incondicional das liberdades individuais e o combate à corrupção — este havia saído de pauta depois do revisionismo do Supremo para apagar a Lava Jato. Mais um dado: na contramão de 2022, o juiz não entrou em campo para interferir no jogo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi conduzido de forma discreta pela ministra Cármen Lúcia.
Não houve a enxurrada de perfis retirados das redes sociais, bloqueio de contas nem multas. Tampouco o PT montou uma banca de advogados para ficar de plantão no TSE contra seus adversários, como o então advogado Cristiano Zanin, hoje no STF, fez no pleito anterior. O Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), criado pelo ministro Alexandre de Moraes para remover conteúdos da internet, não foi acionado. É impossível prever o que acontecerá nas eleições de 2026, mas o país passará por um processo de depuração dos partidos políticos depois das urnas.
Dificilmente essas siglas que já estão perdendo terreno de forma gradual vão escapar da nova cláusula de desempenho. O que significa essa cláusula? O partido precisa conseguir, no mínimo, 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, ou eleger pelo menos 11 deputados, em nove Estados diferentes.
Quem não conseguir cumprir não terá o dinheiro do Fundo Partidário nem tempo na propaganda de rádio e TV. Isso praticamente sela a extinção da legenda, o que vai forçar a fusão de siglas ou a formação das chamadas federações — uma espécie de casamento entre partidos, que dura por quatro anos.
Com cada vez menos partidos no país, a escolha dos governantes será ainda mais direcionada a nomes de peso. A direita tem algumas possibilidades caso se esgotem todos os recursos para reverter a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Desde 2022, a esquerda joga tudo no consórcio de Lula com o STF. Pode ser uma aposta de risco se um ou outro faltar.
Sílvio Navarro, Revista Oeste