Filipe Martins: livre, ma non troppo.| Foto: Marcelo Elias / Especial para a Gazeta do Povo
Na sexta-feira, houve até choro depois que Alexandre de Moraes, querendo posar de magnânimo ou coisa do tipo, anunciou a soltura de Filipe Martins. O ex-assessor de Bolsonaro ficou preso ilegalmente por seis longos meses. O motivo para a prisão é obscuro. Teoricamente, tem a ver com uma não-viagem de Martins aos Estados Unidos. Mas a gente sabe que, na verdade, Filipe Martins foi preso por ser Filipe Martins. Nada além disso.
As manchetes gritavam a notícia da soltura de Filipe Martins em tons ambíguos. Os veículos mais comprometidos com o regime alexandrino pareciam francamente decepcionados com a liberdade de um bolsonarista. Outros buscavam ressaltar a sabedoria jurídica e a humildade de Alexandre de Moraes, capaz de reconhecer o erro de manter Filipe Martins preso. Ahã. Me engana que eu gosto.
Mas a magnanimidade de Alexandre de Moraes, para quem acreditou nela, durou pouco. Porque logo começou a circular uma cópia da decisão suprema – ou eu deveria dizer “mentira suprema”? – com várias restrições à liberdade de Filipe Martins. Sem que houvesse denúncia, quanto mais condenação a justificar quaisquer medidas cautelares. Aí você me pergunta se foi nisso que se transformou o nosso querido Estado Democrático de Direito? E eu respondo: foi. O sono da razão gera monstros, lembra?
Entre as medidas impostas a Filipe Martins estão a apreensão de seu passaporte, a proibição de falar com outros investigados, a obrigatoriedade de se apresentar semanalmente às autoridades e – absurdo dos absurdos! – a proibição de usar redes sociais. O que qualquer pessoa com dois neurônios percebe que configura censura prévia. Ou seja, Filipe Martins não está livre coisíssima nenhuma. Ele só não está mais dormindo na cadeia. Fora isso, continua preso no pesadelo alexandrino – como, aliás, todos nós.
Catarse da frustração
Não chega a ser uma boa notícia, mas quase. O ex-ministro Nelson Jobim, que nunca foi uma vestal, muito menos “direitista”, mas que tem um excelente trâmite nos bastidores do poder, demonstrou um tímido incômodo com o STF, que tem tratado o quebra-quebra de 8 de janeiro de 2023 como uma tentativa de golpe de Estado. Foi uma “catarse da frustação”, disse Jobim, cunhando a melhor definição que ouvi até agora para o episódio.
Por causa de você
Aí eu ouvi isso e fiquei pensando em dedicar estes últimos parágrafos do meu texto a você, leitor esquerdista. E a você, Alexandre de Moraes, na remotíssima hipótese de Vossa Meritíssima Excelência estar me lendo neste momento. Dois pontos, respira fundo e seja o que Deus quiser: à noite, antes de botar a cabeça no travesseiro, você não pensa no sofrimento daquelas pessoas, um bando de zé-ninguém sem vocação pra ditador, e que só estava repetindo aquilo que viu os esquerdistas (PT, MST, PSOL...) fazerem incontáveis vezes, sem que ninguém jamais os punisse por isso?
Mais: será que você realmente deseja que essas pessoas, pais e mães de família, pequenos empresários, profissionais liberais, assalariados, uns doentes e outros idosos, mofem na cadeia por causa de umas vidraças e um relógio quebrados? Você nunca ouviu falar de misericórdia? De Justiça? Você não teme olhar para trás, daqui a alguns anos, e perceber que apoiou (ou liderou) um regime de repressão, um Estado policialesco, uma ditadura?
Imagine a vergonha! Ou todo o esforço que você vai ter que fazer para, um dia, negar que foi um colaboracionista disso aí. E tudo para quê? É por dinheiro que você contraria o mais elementar dos bons sensos? Ou será que é em troca de aceitação, sempre ela, essa droga que nos joga para a estratosfera com seus milhares de likes e meneios de cabeça?
Seja lá o que motive a sua crueldade, o seu punitivismo de ocasião ou sua defesa de uma democracia que todos sabemos ser falsa, obrigado por ter me lido até aqui. Se não consegui te convencer, espero ao menos ter conseguido pôr uma pulguinha atrás da sua orelha. Quem sabe assim um dia você se dará conta de que está agindo igualzinho àqueles que vê nas imagens de 1939, e fala: “Não é possível!”. É, sim. Por causa de gente como você.
Paulo Polzonoff Jr., Gazeta do Povo