BERLIM - Nunca houve uma premiação, pelo menos em anos recentes, como a da Berlinale de 2020. Quando o presidente do júri, o ator Jeremy Irons, falou em filme extraordinário e citou “quatro histórias que nos confrontam com a moralidade e o valor da vida humana”, o público do Palast – e o da sala de cinema em que a imprensa assistia à cerimônia na noite de ontem, 29, no telão –, já começou a aplaudir. À tarde, There Is No Evil, do iraniano Mohammad Rasoulof, já recebera o prêmio do júri ecumênico e o do Guild Film Award. E então veio a coroação: o Urso de Ouro.
Os dois produtores lamentaram que o diretor, confinado – como Jafar Panahi – no Irã, não pudesse estar presente no Festival de Cinema de Berlim. Um agradeceu aos atores, que se arriscaram para dar vida às histórias de homens cujos atos colocam em discussão a moralidade da pena de morte e a propriedade de alguns indivíduos, mesmo com cobertura legal, ao se arvorarem como carrascos de todos. Os atores todos, homens e mulheres, choravam copiosamente.
Quanto ao governo, nada nem ninguém é mais crítico do que o filme. A justiça da República Islâmica é rigorosa e sem apelação, e cabe ao exército executar as sentenças. Mas existem os que se arriscam – os objetores de consciência.
Se o júri da Fipresci, a Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica, tivesse atribuído seu prêmio, o da crítica, a Tsai Ming-liang, por Rizi (Days), o mais denso e ousado, como linguagem, dos filmes da competição, crítica e júri oficial teriam feito a coisa certa.
O júri quase sempre acertou. Prêmio de melhor ator para o genial Elio Germano, por Volevo Nascondermi. Grande prêmio para a norte-americana Eliza Hittman, por seu impactante Never Rarely Sometimes Always – sobre a garota que viaja a Nova York com a amiga para abortar. A melhor atriz foi Paula Beer, a moderna pequena sereia do alemão Christian Petzold em Undine (que venceu, um tanto exageradamente, o prêmio da crítica).
À tarde, quando foram atribuídos os prêmios paralelos – Anistia Internacional, júri ecumênico, etc. –, a nova diretora executiva da Berlinale, Mariette Rissenbeek, e o diretor artístico Carlo Chatrian já haviam levantado questões como “Para que serve um festival?” e “O que é o cinema?” E ambos chegaram à conclusão de que o cinema, e o festival, devem abrir uma janela para o mundo, refletir a realidade.
Pode ser que o cinema não mude o mundo, mas os filmes podem afetar as pessoas, fazê-las melhores. É o que propõem o Rasoulof, o Tsai, o Hong Sang-soo e outros grandes filmes exibidos aqui. Por mais irregular que tenha sido a primeira seleção berlinense de Carlo Chatrian – ele era curador do Festival de Locarno –, ela teve seus pontos altos, e o júri internacional soube reconhecê-los.
Principais vencedores do Festival de Cinema de Berlim
Urso de Ouro
There Is no Evil, de Mohammad Rasoulof (Irã)
Direção
Hong Sang-soo, por The Woman Who Ran (Coreia do Sul)
Ator
Elio Germano, por Volevo Nascondermi (Itália)
Atriz
Paula Beer, por Undine (Alemanha)
Roteiro
Irmãos D'Innocenzo, por Favolacce (Itália)
Grande Prêmio do Júri
Eliza Hittman, por Never Rarely Sometimes Always (EUA)
Colaboração Artística
Jürgen Jürges, por Dau. Natasha (Rússia)
Filme de Estreia
Los Conductos, de Camilo Restrepo (Colômbia, Brasil, França)
Generation 14Plus
Meu Nome é Bagdá, de Caru Alves de Souza (Brasil)
Luiz Carlos Merten, O Estado de S. Paulo