BERLIM -
Na quarta-feira (18), Angela Merkel fez algo que nunca tinha feito em seus 14 anos como chanceler da Alemanha. Ela foi à televisão em rede nacional para falar à nação.
Foi um momento histórico. A Alemanha tinha fechado escolas e lojas e trancado suas fronteiras em uma tentativa desesperada de conter o avanço do vírus chinês.
Fábricas foram paralisadas, e milhões de pessoas ficaram confinadas em casa. Uma sensação quase palpável de alarme e confusão espreitava as ruas.
O comportamento de Merkel foi calmo, mas seu tom, insistente. Todos devemos reduzir nossa vida social ao mínimo, disse ela. Manter distância das pessoas. Evitar contato com os idosos, mesmo nossos avós. Mostrar um pouco de solidariedade.
Uma nota atipicamente pessoal se insinuou, numa referência à sua vida na Alemanha Oriental comunista.
"Para uma pessoa como eu, para quem a liberdade de movimento foi um direito duramente conquistado, tais restrições só podem se justificar por sua absoluta necessidade", afirmou.
Ninguém tinha visto Merkel falar à nação na TV, além de seus discursos formais de Ano-Novo. Poucos a haviam visto demonstrar tanta empatia e emoção.
O impacto foi enorme, apropriadamente: cerca de 30 milhões de pessoas assistiram ao discurso de 12 minutos. Elas sabiam que estavam nas mãos seguras da gestora de crises mais experiente da Europa.
"Seu estilo de liderança esteve fora de moda durante muito tempo, mas agora é exatamente do que as pessoas precisam", disse Stefan Kornelius, biógrafo de Merkel. "Você quer alguém como ela, que proteja a estabilidade e a maturidade. Alguém que não esteja tuitando a cada cinco minutos."
Na hora certa, Merkel chega, disseram seus apoiadores. Homens e mulheres fortes podem ser úteis em tempos de paz, mas em uma pandemia, com a economia caindo em espiral e milhões de pessoas com medo, você precisa de uma pessoa com cabeça fria.
Mesmo depois que Merkel entrou em quarentena, na última segunda-feira (23), depois de ter contato com um médico que contraiu a Covid-19, não havia dúvida na mente da maioria dos alemães sobre quem estava no comando.
"Ela analisa a situação muito precisamente, e, ao contrário de outros, escuta o conselho de especialistas", disse Jurgen Hardt, porta-voz para relações exteriores do partido de Merkel, a União Democrata Cristã (CDU).
Não causa surpresa que ela já tenha citado Marie Curie, a física que descobriu o rádio, como seu modelo.
A mais antiga líder em atuação na Europa ocidental, Merkel, 65, já demonstrou experiência. Ela conduziu a Alemanha pela crise financeira de 2008, a crise da dívida da zona do euro e a emergência migratória de 2015-16, quando mais de um milhão de refugiados entraram na Europa.
Ao longo disso tudo, ela transmitiu uma competência tranquila e um mínimo de tensão.
Sua volta ao papel de "mutti" (mãe) da Alemanha pegou alguns de surpresa, entretanto.
O quarto e último mandato de Merkel tem sido duro: a "grande coalizão" que ela preside com os social-democratas tem sido alvo de constantes críticas, enquanto a incerteza sobre quem a sucederá como chanceler desestabilizou a política local.
Os conservadores da CDU ainda não conseguem perdoá-la por ter mantido as fronteiras do país abertas durante a crise dos refugiados, decisão que inflamou as tensões políticas e deu um enorme reforço à Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, hoje estabilizada nos 16 parlamentos regionais.
Nada disso parece importar agora. Seu governo entrou em ação, aprovando uma verba de 156 bilhões de euros (R$ 889 bilhões) para proteger a economia.
Para os alemães, segundo Manfred Gullner, um dos principais pesquisadores do país, Merkel é a "rede de segurança". Seu partido subiu 4 pontos em aprovação, com 36%, enquanto a AfD caiu 4 pontos, para 9%.
Durante tudo isso, ela ficou imperturbável como sempre. Katja Leikert, deputada da CDU, participou de uma teleconferência com importantes figuras do partido na terça (24) e ficou impressionada, como nunca, com o estilo de Merkel: "Algumas pessoas na ligação falaram durante horas, e ela só por dois minutos".
A reticência de Merkel tem raízes profundas, originárias de sua criação na Alemanha Oriental. Ela certa vez disse que "aprender quando ficar quieta era uma grande vantagem na época da RDA (República Democrática Alemã)". Era "uma de nossas estratégias de sobrevivência", afirmou.
Filha de um pastor, formada em física, ela entrou na política depois da queda do Muro de Berlim e subiu rapidamente até se tornar ministra no gabinete de Helmut Kohl.
Quando ele se envolveu em um escândalo de financiamento do partido, virou-se contra ele e agarrou a liderança da CDU.
Como chanceler, venceu quatro eleições consecutivas, e nos últimos anos tornou-se um símbolo dos valores liberais ocidentais.
Mas sua posição como estadista proeminente na Europa enfrenta um teste histórico. Alguns em Bruxelas afirmam acreditar que o continente está vivendo sua pior crise em tempos de paz.
Líderes da zona do euro poderão ter de se unir atrás da moeda comum para salvá-la da falência. Até agora, porém, há poucos sinais de uma ação europeia coordenada.
Merkel terá de fazer o que for necessário para garantir a sobrevivência do euro sem alienar seus compatriotas.
Ela certa vez descreveu a crise na zona do euro como "estar em um quarto escuro, tão escuro que você não consegue ver sua mão diante do rosto e tem de tatear para seguir seu caminho".
Esta crise poderá ser ainda mais desorientadora.
Mas enquanto ela se prepara para a monumental tarefa de resgatar a Alemanha e a Europa, pelo menos goza de amplo apoio. Até os políticos da oposição a aprovam.
"Em uma crise como esta, só podemos estar felizes por ter uma chanceler como Angela Merkel", tuitou o deputado verde Konstantin von Notz neste mês.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves