O debate sobre as consequências sócio-econômicas e a emergência sanitária criada pelo vírus chinês está pegando fogo.
Estamos falando sobre os Estados Unidos.
Um exemplo do ambiente altamente inflamável que uma crise dessas proporções provoca é a variedade de reações que Anthony Fauci, principal conselheiro de Donald Trump para o aspecto médico da crise.
A cada dia, às vezes a cada hora, as opiniões trocam de lado. Uma hora, ele é um herói para as forças mais à esquerda, o único homem que “fala a verdade” a Trump e consegue, com seu jeito animado e falante, convencer o presidente das realidades sanitárias.
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No minuto seguinte, vira um crápula que aderiu incondicionalmente ao projeto presidencial, um ser desprezível e irresponsável (a médica Deborah Birx, coordenadora da equipe anticorona, vive a mesma oscilação: elogiada pelo Guardian um dia, malhada pelo New York Times no outro por pedir calma e dizer que não existe a falta propalada de equipamentos, como se “fosse um dos armadores do Titanic dizendo que o navio nunca iria afundar).
Anthony Fauci, um pioneiro da luta contra o HIV plenamente consciente da vulnerabilidade de seus 79 anos, soltou uma bomba ontem: falou sobre a possibilidade de “100 mil a 200 mil mortes”.
Foi numa entrevista a Jake Tapper, exaltado antitrumpista da CNN – Fauci faz a ronda de todas as emissoras de televisão, sempre inabalável.
Na verdade, ele estava analisando as projeções muito mais catastróficas de vítimas, aquelas da categoria “na pior das hipóteses”.
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“Para ser sincero, não temos uma ideia estabelecida”, disse. “Mas nunca vi um modelo das doenças com as quais trabalhei no qual o pior dos casos acontece”.
“Quando usamos números como um milhão, um milhão e meio, dois milhões, isso quase que com certeza está fora da curva. Não é impossível mas é muito, muito improvável”.
Mas o principal assessor e médico do governo cogitar em 100 mil ou 200 mil mortos já bastou para que o mundo desabasse.
Fauci levou pancadaria pesada dos trumpistas mais militantes e foi chamado de traidor infiltrado, entre outras coisas muito mais pesadas.
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Mas o que interessa mesmo é saber se ele cai ou continua a assessorar o presidente a quem já elogiou por ouvir e pedir, acima de tudo, os números.
“Tenho andado no fio da navalha, digo coisas ao presidente que ele não quer ouvir”, disse Fauci, um nova-iorquino descendente de italianos do Brooklyn, à colunista Maureen Dowd, do Times.
“Se ele for ficar fulo, vai ficar fulo. Felizmente, não tem ficado. Interessante”.
A capacidade de adaptação de Trump é um dos pesadelos de seus adversários. À sua maneira característica, ele descartou a hipótese que tinha aventado de reabrir o país depois da Páscoa e prorrogou até 30 de abril as diretrizes de isolamento.
Para espanto dos muitos adversários do presidente, a aprovação à forma como está agindo na crise do vírus tem o apoio de 52% dos americanos – alguns e importantes pontos acima de sua aprovação de forma geral, que também subiu para a faixa dos 47%.
Numa situação de extrema instabilidade, não dá para nem pensar em dizer quanto tempo isso vai durar.
No momento, o quadro é o seguinte: Trump está com vantagem – e, claro, cantando seus índices.
Seu maior adversário, Joe Biden, que continua ter dianteira nas pesquisas, está trancado no porão de casa, transformado em um estúdio no qual dá entrevistas patéticas.
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Correndo por fora, aparece o governador de Nova York, Andrew Cuomo.
Em oposição total a Biden, que tem 77 anos e não pode ser exposto, Cuomo virou um hiperativo comandante da crise.
Faz longos e emocionais discursos, aparece dia e noite na televisão, desafia e se reconcilia com Trump.
Por motivos óbvios, adiou para junho a primária democrata em Nova York.
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Que mundo existirá no mês seguinte, quando o Partido Democrata endossa seu candidato? Existiria a possibilidade de uma guinada por fora, com uma troca emergencial de candidatos?
Ninguém sabe. Mas com toda certeza as três pessoas que mais pensam nisso se chamam Donald Trump, Andrew Cuomo e Joe Biden.
E o destino de Anthony Fauci virou um fator que os maiores interessados estão levando em conta.
Entre tantas outros fatores inesperados dessa crise, um infectologista influir na política dos Estados Unidos hoje parece a coisa mais normal.
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