Numa coisa dá para se ter confiança de 100% no Brasil: todo o mal que vem de fora sempre pode ser piorado assim que entra aqui.
O coronavírus, por exemplo.
Embora o seu grau de mortalidade seja baixo, comparado com assassinos desvairados como o H1N1, poucos organismos conhecidos pela biologia se espalham com tanta rapidez.
(O H1N1, que apareceu em 2009, contagiou 760 milhões de pessoas em todo o mundo e matou quase 300.000. No Brasil o bicho ainda continuava matando em 2019: foram mais 780 mortos).
(O H1N1, que apareceu em 2009, contagiou 760 milhões de pessoas em todo o mundo e matou quase 300.000. No Brasil o bicho ainda continuava matando em 2019: foram mais 780 mortos).
Mas nem o coronavírus, com toda a sua rapidez, consegue contagiar um país com a velocidade com que a hipocrisia, a mentira e a capacidade de fazer política suja contagiaram o Brasil.
A mãe de todas as falsificações é a repetição, no mundo político, na mídia que se pretende iluminada e nas elites ignorantes, subdesenvolvidas e medrosas que comandam boa parte do combate à epidemia, de uma opção safada:
“Não se pode colocar a economia acima das vidas”.
Parece um pensamento generoso.
É apenas falso.
Alguém está propondo que vidas sejam sacrificadas para abrir shopping centers?
O que está se dizendo é que as duas tarefas, a de defender a saúde pública e a de fazer a economia funcionar, são indispensáveis e precisam obrigatoriamente ser executadas ao mesmo tempo.
É possível – e, se não for assim, não haverá um país vivo depois do coronavírus.
Será que não havia doença nenhuma no Brasil antes do coronavírus?
E foi preciso paralisar todo o sistema produtivo nacional para tratar delas?
Estaríamos confinados em casa há 100 anos, se fosse assim – com as indústrias e o comércio fechados, sem transporte, sem escolas, sem comida, sem nada.
E não é que nossas doenças sejam coisa simples, que se cura com uma colherinha de sal de frutas Eno.
Só em 2019 as doenças cardiovasculares mataram quase 300.000 pessoas no Brasil – simplesmente 30% de todas as mortes que houve no País.
A pneumonia matou 60.000 brasileiros, 80% deles idosos.
Morre-se de tuberculose, uma doença da miséria, neste país; houve 70.000 casos em 2018, o último ano em que há estatísticas, com 5.000 mortos.
A morte por coronavírus valeria mais que essas?
Não passou pela cabeça de ninguém “confinar” a população em casa por “tempo indeterminado” para combater as doenças devastadoras citadas acima.
A economia brasileira não parou nem um minuto para se tratar da saúde pública – e não dá realmente para dizer que o SUS é ruim porque as indústrias produzem e o comércio vende.
O que uma coisa poderia ter a ver com a outra?
Na verdade, não dá para dizer muitas coisas que estão sendo ditas por aventureiros em busca de chances políticas, repetidas pelo síndico do prédio e encampadas, com casca e tudo, pelos meios de comunicação.
Não é verdade que o Brasil caminha para um genocídio em que podem morrer “até 2 milhões de pessoas”.
Não é verdade que sugerir alternativas ao confinamento-isolamento total seja um “desafio” ao que pregam “todas as grandes autoridades da ciência mundial”.
Não é verdade que a Organização Mundial da Saúde tenha autoridade científica para ser levada a sério; é apenas uma entidade política terceiro-mundista.
Não é verdade que o coronavírus seja “o pior problema de saúde pública do Brasil nos últimos 30 anos”.
Nosso pior problema de saúde dos últimos 30 anos é o SUS.
Não é esta, é claro, a opinião de quem jamais pôs os pés no SUS – mas decide o que você tem de fazer e de saber sobre a epidemia.
Poucas coisas são tão estúpidas nesta vida quanto deixar decisões importantes a cargo de quem não vai sofrer nada com as suas consequências.
É exatamente o que estamos fazendo neste momento.
O Estado de S.Paulo