Desde a inacreditável e asquerosa sopa de morcegos até este momento, a peste que veio do leste já se estendeu a mais de 150 países e a cinco continentes, infectou mais de 450 mil pessoas e interrompeu perto de 21 mil vidas. Não bastasse isso, vem ameaçando fulminar a economia mundial.
É costume exigir dos governos soluções para as grandes crises, porque os indivíduos, paradoxalmente, embora não gostem dos políticos, acreditam que os governos têm sempre boas intenções e que podem fazer mágicas na economia para conduzir todos ao Éden. Esses truques consistem em inflar a demanda, pela imposição de uma verdadeira olimpíada de estímulos. A saber: qual banco central é mais rápido em martelar artificialmente a taxa de juros para baixo, que governo arremessa mais longe os seus gastos, quem é melhor em despejar moeda sem lastro — medida conhecida como “helicopter money”, a distribuição de dinheiro à população a fundo perdido.
Isso já vem acontecendo desde o início de março. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, reduziu as taxas de juros da faixa 1%—1,25% para a faixa 0%—0,25%. Foi o maior corte desde 2008. O Fed ainda injetou US$1,5 trilhão no sistema bancário; comprou US$1,2 trilhão em títulos; baixou a taxa de redesconto de 1,5% para 0,25% e, na prática, acabou com o lastro da moeda.
Olimpíada de Estímulos do Fed
- Reduziu as taxas de juros da faixa 1%—1,25% para a faixa 0%—0,25%.
- Injetou US$1,5 trilhão no sistema bancário;
- Comprou US$1,2 trilhão em títulos;
- Baixou a taxa de redesconto de 1,5% para 0,25%
Dito de um modo muito simples: o Fed diz para os bancos que eles podem ficar com uma parte menor do dinheiro do povo; isso significa que vai sobrar mais dinheiro para os bancos emprestarem e também haverá mais dinheiro nas mãos das pessoas.
Baixou uma lei para aumentar os gastos em US$8,3 bilhões. Decretou estado de emergência para liberar até US$50 bilhões em ajuda a estados, cidades e territórios. Há também a proposta de um novo pacote de estímulo de cerca de US$1 trilhão.
O Banco Central Europeu (BCE), que desde 2019 já reduzira a taxa de juros abaixo de zero para prevenir uma recessão esperada, também anunciou medidas de estímulo, como o aumento em US$128 bilhões de compras de títulos em 2020. O BEC também afrouxou as exigências de capital dos bancos. Medidas semelhantes vêm sendo adotadas na Austrália, na China, em Hong Kong, na Coreia do Sul, no Reino Unido, na França, na Itália e no Japão.
E até a equipe econômica do governo brasileiro, a mais liberal de nossa história, seguiu a toada: um pacote de R$88,2 bilhões para estados e municípios, incluindo a suspensão do pagamento das dívidas dos estados, num total de R$12 bilhões. E mais: cancelamento dos cortes no programa Bolsa Família; suspensão de alguns tributos, redução de exigências regulatórias; abolição de tarifas, liberação de financiamentos a pequenas e médias empresas e outras providências que serão comunicadas gradualmente e tornarão a conta total muito superior — estima-se em até R$600 bilhões.
Duas perguntas relevantes, então, devem ser colocadas:
1ª) Essas medidas estão corretas?;
2ª) Supondo que sim, serão suficientes?
O inimigo é desconhecido, diferente de todos os anteriores. Um forte choque de oferta e de demanda que, para piorar as coisas, se realimentam reciprocamente. Mas, por isso mesmo, é que os governos precisam de muita prudência.
E o errado é jogar fora o que já se mostrou desejável, como o equilíbrio fiscal, a estabilidade da moeda e as reformas.
Lamento contrariar muitos economistas e especialistas, mas medidas de estímulo à demanda, como as listadas, além de não serem indicadas, não fazem sentido e só tendem a piorar o estado do paciente.
Se os lockdowns impedem pessoas e empresas de trabalhar, ou se elas não estão trabalhando porque seus fornecedores também estão impedidos, o truque de inflar a demanda terá em pouco tempo os únicos efeitos de aumentar os preços e o desemprego, com o agravante de que os primeiros preços a subir serão os dos bens essenciais. A essência do problema não é a ausência de gastos, mas a ausência de atividade econômica. Além disso, a inflação levará à perda de renda real e a gastança, ao suicídio fiscal da maioria dos governos. Quem come demais no domingo, tem indigestão na segunda. Neste momento, não basta fazer o que deve ser feito. É preciso também não fazer o que não deve ser feito.
Descartar políticas fiscais e monetárias anticíclicas não significa que os governos não devam remanejar seus gastos, eliminando ou adiando alguns e redirecionando recursos para as áreas de saúde e suas correlatas, mas sabendo que o combate é contra a endemia e não contra a saúde das contas públicas e os pagadores de impostos.
À segunda pergunta não tem resposta, porque ninguém pode quantificar seriamente o que vem pela frente. Estimativas não faltam, como essas sobre a queda do PIB americano: Bank of America: –12%; Goldman Sachs –24%; JP Morgan –14%; Morgan Stanley –30%. Para o PIB do Brasil, de 35 instituições, apenas 5 apostam em um número positivo (entre 0,3% e 0,7%), três cravam zero e as demais 27 oscilam entre –0,3% e –3%. Ou seja, se é possível confiar em algo, é no pessimismo.
O Que Vem Pela Frente (Previsões)
- Bank of America: –12%;
- Goldman Sachs –24%;
- JP Morgan –14%;
- Morgan Stanley –30%.
- PIB do Brasil: de 35 instituições financeiras, apenas 5 apostam em um número positivo (entre 0,3% e 0,7%), três cravam zero e as demais 27 oscilam entre –0,3% e –3%.
É bom encerrar com uma boa notícia: a de que, assim que for permitido produzir, a recuperação tenderá a ser rápida. Mas não por causa da injeção colossal de demanda, e sim porque o patamar da economia estará baixíssimo. O ano de 2020 está perdido e acreditar que truques de governo podem fazer milagres é como elogiar a insensatez de Esaú, aquele cara da Bíblia que trocou os privilégios de sua primogenitura por um prato de lentilhas.
* Doutor em Economia, presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Mises Brasil
Revista Oeste