O desafio está em desfazer o
discurso de que ajuste fiscal
vem à custa da população
Uma coalizão do bem foi formada na semana passada. Reunidos com o objetivo de compartilhar ideias e experiências, quatro governadores recém-eleitos decidiram juntar forças em defesa do ajuste das contas e da responsabilidade fiscal. O encontro foi organizado pela Comunitas, organização não governamental que reúne lideranças da iniciativa privada e gestores públicos em projetos de inovação em municípios e Estados brasileiros. Estiveram também presentes o ministro Eduardo Guardia, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, além dos futuros secretários de Fazenda de Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pará. Ao fim da reunião, a coalizão ainda ganhou um reforço de peso com a adesão de João Doria, governador recém-eleito em São Paulo.
O contexto não é nada simples. Prestes a assumirem os governos dos Estados de Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, 3 dos 5 governadores ali reunidos têm diante de si um quadro de colapso fiscal que não lhes dá muita alternativa senão a de enfrentar o problema para resgatar a capacidade de governar. Seus Estados acumulam déficits fiscais enormes, com atrasos no pagamento dos salários de servidores e restos a pagar que denunciam atrasos ainda maiores com fornecedores de bens e serviços em áreas prioritárias, como saúde, segurança e educação. Os investimentos minguados e os cortes emergenciais nos gastos com o custeio comprometem a qualidade dos serviços públicos.
Mas há solução e foi em torno dela que a coalizão se reuniu. O primeiro ponto de consenso gira em torno da necessidade urgente de se aprovar a reforma da Previdência. Está claro que não há como enfrentar a crise dos Estados, retomar a capacidade de investir e melhorar a qualidade dos serviços públicos sem que o déficit da Previdência seja estancado. Somente em 2017 foram mais de R$ 70 bilhões de déficit no conjunto dos 27 Estados. Esse valor vem crescendo de forma exponencial. Uma reforma da Previdência que englobe os Estados é, portanto, o ponto inicial e a principal medida para interromper o processo de desequilíbrio das contas públicas que, lembremos, é a causa e não a consequência das nossas mazelas.
Outras medidas de reequilíbrio serão necessárias e estão no âmbito de atuação dos próprios governadores, como o controle das despesas com pessoal e o diálogo com os demais poderes, em particular com o Judiciário. Nesse campo, também o STF tem papel fundamental, julgando ações diretas de inconstitucionalidade contra a Lei de Responsabilidade Fiscal que repousam há décadas sem a apreciação do tribunal e que podem devolver aos Estados instrumentos de ajuste.
Mas o maior dos desafios será, sem dúvida, o de comunicação com a sociedade. Tornar claro que o caminho do ajuste é o único que nos garante a possibilidade de nossos governantes retomarem sua capacidade de cuidar dos cidadãos é tarefa fundamental. Afinal, após anos de desconstrução das nossas instituições fiscais, o que nos ficou, além da maior recessão da nossa história, é uma falsa percepção de que gastar mais é a solução para os nossos problemas ou que tudo se resolverá quando o Brasil voltar a crescer. Foram essas percepções que permitiram o descumprimento sistemático de leis e o abandono da responsabilidade fiscal como pilar, inclusive pelos órgãos de controle de contas, responsáveis pela sua manutenção.
O desafio está em desfazer o discurso de que ajuste fiscal vem à custa da população, como se não fosse a situação atual a maior contraprova disso. Mas há ainda uma melhor contraprova, que é o Espírito Santo de Paulo Hartung. Foi lá que se cunhou a expressão que, se tudo correr bem, deverá se tornar nacional: “cuidar das contas, para cuidar das pessoas”.
Essa é a mensagem principal que uma coalizão em torno do ajuste de contas poderá transmitir à sociedade, explicando que quem não é capaz de cuidar das contas públicas, não conseguirá cuidar do social, ou seja, das pessoas. Não é o ajuste fiscal que sacrifica a sociedade, mas sim o desajuste de contas públicas, que leva, como estamos hoje assistindo, à incapacidade crescente do Estado de cuidar das pessoas.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN
O Estado de São Paulo