domingo, 16 de dezembro de 2018

"Prestação de contas de Paulo Hartung", por Samuel Pessôa

Paulo Hartung entregará o governo do estado do Espírito Santo no fim deste mês. Acaba de lançar pela Amazon o livro “Espírito Santo”, com a história de seu governo.
Ótima leitura. Principalmente para os novos governadores que assumem em 1º de janeiro próximo. Alguns neófitos foram eleitos.
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung na sede do governo estadual
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung na sede do governo estadual
Divulgação
 
Paulo enfrentou a campanha eleitoral em 2014 avisando a sociedade de que a situação fiscal seria duríssima. E criticando o governo do estado à época por usar receita de petróleo, que é muito volátil, para custear gasto corrente. O que fazer se o preço do petróleo cair?
A regra fiscal responsável estabelece que receita de petróleo somente pode custear investimentos e outros gastos não obrigatórios. Gasto obrigatório tem de ser custeado com receita recorrente.
Avisou a população antes da eleição de que tempos difíceis viriam.
Paulo, economista, enxergou melhor do que eu a chegada da crise pesada de 2015 e 2016.
Quando foi eleito, antes de assumir, ainda em dezembro de 2014, chamou os deputados estaduais e renegociou com a Assembleia a redução do Orçamento que havia sido aprovado para o ano seguinte.
Essa negociação é muito importante, pois a Secretaria da Fazenda estadual é obrigada, até o dia 5 de cada mês, a transferir aos órgãos autônomos —Legislativo estadual, Judiciário estadual, Tribunal de
Contas do Estado, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública— a parcela de 1/12, o famoso duodécimo, do montante que foi orçado. Vale frisar: o duodécimo depende do Orçamento, e não da receita efetivamente realizada.
Se há uma frustração na receita, a Fazenda estadual tem de transferir assim mesmo. Faltará recurso para o Executivo. Executivo significa saúde, educação e segurança. Isto é, o cidadão.
Ou seja, o incentivo é o Legislativo aprovar Orçamento inflado para garantir seu duodécimo calculado sobre o valor orçado. O Poder Executivo que se vire com a receita efetiva. As corporações se defendem bem.
Hartung, com sua liderança, conseguiu fechar um acordo ainda em dezembro de 2014 para reduzir o Orçamento. Se houvesse surpresa positiva na receita —fato que definitivamente não ocorreu em 2015—, ela seria compartilhada com os Poderes autônomos.
Com isso, fechou o ano no azul. Fato surpreendente, dado que teve de enfrentar, além da queda da receita de petróleo e das demais, em razão da crise econômica, também a maior seca dos últimos 80 anos, que atingiu a produção de café, e o desastre ecológico da empresa Samarco, ambos com fortes impactos sobre a receita estadual.
Hartung, contrariamente à visão superficial da esquerda e dos economistas heterodoxos, mostrou que a sustentação dos serviços públicos e da defesa dos interesses do cidadão, principalmente dos mais vulneráveis, depende da responsabilidade fiscal. Não há contradição aqui.
Não atrasou salários e com isso houve continuidade dos serviços públicos. Contrasta com a situação do Rio de Janeiro.
Enfrentou uma greve covarde da PM —corporação que é proibida de fazer greves— quando estava em São Paulo tratando de grave câncer de bexiga.
Os resultados vieram. O Espírito Santo tem a melhor posição entre todos os estados na classificação de risco da sua dívida, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. Adicionalmente, ficou em primeiro lugar na avaliação do ensino médio feita pelo MEC.
Em janeiro, Hartung passa o bastão para Renato Casagrande, experiente e respeitado político capixaba. Oxalá leve adiante o bom desempenho de seu antecessor.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP

Folha de São Paulo