O homem que por anos foi a garantia de segurança de Hugo Chávez hoje é o grande trunfo de investigadores americanos para comprovar a corrupção no comando da Venezuela, hoje governada por Nicolás Maduro. Detido nos EUA ainda no ano passado, o chavista Alejandro Andrade é considerado peça-chave num inquérito internacional em busca do dinheiro do governo de Caracas.
Na terça-feira, a Justiça dos EUA revelou a existência de um esquema ilegal de câmbio que movimentou subornos de mais de US$ 1 bilhão na Venezuela. Para que o sistema funcionasse, a corrupção passou por Andrade, catapultado do posto de guarda-costas ao de chefe do Tesouro Nacional.
A Justiça americana prendeu Andrade no final de 2017 e fechou com ele um acordo de delação premiada. Permitiu que ele permanecesse em prisão domiciliar, mas exigiu a colaboração total do chavista.
Além de devolver um avião, cavalos, relógios de luxo e propriedades, o venezuelano deu informações que levaram os americanos a abrir inquéritos contra pelo menos 20 diretores e ex-dirigentes da PDVSA, a estatal do petróleo na Venezuela.
A Justiça americana acredita que com as informações de Andrade poderá revelar quem eram os principais beneficiários do amplo esquema de corrupção.
Segundo documentos consultados pelo Estado, o processo nos EUA revela dezenas de transferências de milhões de dólares entre o banco HSBC, na Suíça, bem como a aquisição de bens de luxo no mercado americano. Em março de 2013 foram transferidos da Suíça para os EUA cerca de US$ 281 mil para a compra de um barco. Naquele mesmo ano, foram gastos US$1 milhão para instalar um sistema de segurança na residência de Andrade.
Os investigadores suspeitam que o uso do banco na Suíça não é uma coincidência. A partir de 2005, o governo de Chávez fechou um acordo para que a instituição financeira em Genebra fosse a gestora do Tesouro do país. Em 2007, Andrade passou a ocupar o cargo de tesoureiro da nação e a ter autoridade sobre as contas secretamente mantidas na Suíça. Estima-se que essas contas possam ter acumulado US$ 14 bilhões.
Sua gestão no Tesouro Nacional foi alvo de duras críticas. A oposição o acusava de negociar com empresários o acesso ao mercado de câmbio, em troca de propinas milionárias. Ainda em 2008, numa audiência parlamentar, Andrade foi denunciado por ter montado o esquema financeiro com a compra de papéis da dívida de países como Bolívia e Argentina. Ainda em 2009, agências reguladoras americanas passaram a investigar as transações financeiras do Tesouro venezuelano.
Parte das suspeitas foram confirmadas nesta semana pela Justiça americana, que indiciou dois empresários por pagamentos nesse esquema, que movimentou US$ 1 bilhão.
Sempre ao lado de Chávez, Andrade deixou o Tesouro em 2010 e passou a presidir o Bandes, o principal banco estatal venezuelano. Caracas lhe fornecia uma unidade da Guarda Nacional Bolivariana para que fizesse a proteção permanente de sua família e casa.
Quando Chávez morreu, em 2013, inimigos internos de Andrade chegaram a alertar para a procuradora-geral, Luisa Ortega, que crimes cometidos por pessoas próximas ao líder custaram mais de US$ 20 bilhões para a economia nacional.
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Com o fim do governo Chávez, Andrade se mudou para os EUA. Com um jato de luxo particular, fazia com frequência viagens para Caracas. O ex-braço direito de Chávez passou a frequentar locais exclusivos na Flórida e dedicou seu tempo aos cavalos e jogos de polo. No total, ele teria cerca de 150 animais, sendo que alguns poderiam estar avaliado em US$ 500 mil.
A vida do guarda-costas nem sempre foi de luxo. Ele cresceu em um meio modesto, mas caiu nas graças de Chávez em 1992, ao participar do golpe militar que o venezuelano tentou aplicar. Durante a campanha eleitoral de 1998, foi seu segurança privado e, em 1999, elegeu-se deputado.
Muitos creditam à perda de um olho seu momento de sorte. Ele perdeu a vista em um golpe de “chapita”, uma espécie de beisebol onde a bola é substituída por tampas de refrigerantes.
Num jogo descontraído dentro próprio palácio do governo, Chávez acertou uma das tampinhas no olho de Andrade, o que o obrigou a levar um cristal para substituir seu olho. Desde então, ficou ainda mais próximo do líder bolivariano, que se transformou em padrinho de seu filho mais novo.
Jamil Chade, CORRESPONDENTE / GENEBRA, O Estado de S.Paulo