A imagem da semana foi o depoimento de Lula como testemunha no processo contra Sérgio Cabral que apura se houve compra de votos olímpicos com dinheiro público. A defesa do ex-governador chamou Lula para ouvi-lo afirmar que em nenhum momento viu ou presenciou Cabral e sua turma armando compra de apoio com representantes africanos no Comitê Olímpico Internacional, nas muitas viagens que fizeram juntos para promover a candidatura do Rio.
Claro que se Lula viu alguma maracutaia jamais diria isso publicamente, muito menos para um juiz que investiga o crime que o ato representaria. Mesmo em se tratando de um juiz quase amigo, um juiz amável e antigo simpatizante político de Lula e do PT. Não que Lula soubesse disso, até porque o juiz Bretas só lhe informou dessa simpatia ao final da audiência. Mas, enfim, Lula não é bobo, não nasceu ontem e não se incriminaria assim tão facilmente.
Mesmo no caso do tríplex, cuja operação ocorreu inteiramente sob a luz de velas, Lula só acabou sendo condenado por descuido de dona Marisa. Ou por insistência dela em querer o apartamento, em ir visitá-lo com Lula e o dono da empreiteira, por ter guardado documentos incriminadores. Lula se saiu muito bem da audiência em favor de Cabral. Acertou até mesmo quando fez gracinha com a declaração de Bretas.
O curioso no episódio inteiro foi a alegria de Lula e de Cabral. Ambos estão condenados e presos. Lula ainda é preso novo, tem dois meses de xilindró, mas Cabral já está recolhido há mais de um ano. Por isso aqueles sorrisos todos, aquela alegria até de certa forma contagiante pareceu estranha.
Durante os 49 minutos que durou a audiência, Cabral não conseguia esconder a satisfação por ouvir Lula defender a candidatura do Rio. Ele olhava seguidamente para a tela em que Lula aparecia falando remotamente desde Curitiba de maneira embevecida. Era claro seu olhar de admiração e seu semblante deixava isso evidente.
Num determinado momento, Cabral quase gargalhou de alegria, foi quando Lula disse que o Brasil sob a sua administração perdera o complexo de vira-latas. Lula fez as autoexaltações de sempre. Disse que venceu Obama, que, segundo ele, fez um discurso fraquinho ao defender a candidatura de Chicago. E que venceu Michelle, mulher de Obama, que começara a defender Chicago muito antes dele, Lula, entrar no jogo.
De que eles riam? Difícil responder de onde vem tanta alegria. Um deles vai sair da cadeia velhinho, depois de cumprir mais de uma dezena de condenações por seguidos assaltos aos cofres estaduais, o outro talvez nunca mais consiga se candidatar a nada.
Talvez seja mais fácil entender a alegria de Lula, afinal Bretas fez alguns salamaleques a seu favor. E o ex-presidente aproveitou para tirar uma casquinha do juiz. Com relação a Cabral, a explicação talvez seja psicológica. Ele está há tanto tempo preso que qualquer saidinha, mesmo para atender a uma nova audiência contra ele, pode significar um pouco de descompressão, daí ele se soltar e rir mais do que o consciente permitiria.
Houve momentos engraçados, verdade, como aquele em que o advogado de Cabral agradeceu a disponibilidade de Lula em depor a favor do seu cliente. Não há ninguém mais disponível que Lula nesses dias. O fato é que o Brasil assistiu pasmo a dois criminosos, condenados por corrupção e lavagem de dinheiro, se divertindo diante das câmaras.
Moro e o príncipe
Por que o juiz Sergio Moro não pode atender a uma cerimônia em Mônaco e sentar-se ao lado do príncipe Albert no camarote especial de sua majestade? Porque desmoraliza a Lava-Jato, respondem petistas e simpatizantes. Bobagem, Moro hoje é uma instituição. Quando é convidado para um evento, quem está sendo chamado na verdade é o combate à corrupção no Brasil, que quase todos aplaudem, até o príncipe de Mônaco.
Ascânio Seleme, O Globo