segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Quem é Ronan Farrow, jornalista que expôs os abusos sexuais de Hollywood

o jornalista Ronan Farrow, em 2015 Foto: Evan Agostini / Invision/AP
o jornalista Ronan Farrow, em 2015 - Evan Agostini / Invision/AP


O Globo


"O histórico da minha família me fez entender desde cedo o que é abuso". Assim Ronan Farrow, único filho “oficial” de Woody Allen e Mia Farrow, explicou sua dedicação em investigar os escândalos sexuais que assombram Hollywood. Com 30 anos recém-completados, ele é o autor da reportagem que expôs o comportamento criminoso de Harvey Weinstein e mudou a meca do cinema para sempre.

Dando voz às vítimas do todo poderoso produtor americano, figurão até então intocável dos grandes estúdios, ele abriu os olhos do público para o lado obscuro da indústria do entretenimento. Publicado na “New Yorker” em outubro, com o depoimento de 13 mulheres, o texto explosivo foi a pedra de toque de uma onda de denúncias e manifestações pela igualdade de gênero.


Mas, para entender as razões que levaram Farrow a insistir na polêmica pauta, fazendo dela quase uma missão enquanto tantos outros tratavam o assunto com medo e até como tabu, é preciso conhecer a sua trajetória. Ex-conselheiro de Hillary Clinton e colaborador de jornais importantes como “Los Angeles Time”, “The Wall Street Journal” e “The Guardian“, além de comentarista do canal NBC, ele usou toda a sua influência e contatos para levar a apuração adiante.

HISTÓRICO FAMILIAR CONTURBADO

Nascido em 1987, ele tinha quatro anos quando sua mãe acusou o pai de molestar sexualmente Dylan, filha adotiva do casal. Ronan nunca acreditou na inocência do pai, que sempre negou as acusações. Allen, aliás, foi o primeiro alvo do jornalista. Durante a cerimônia do Globo de Ouro de 2014, que deu ao cineasta um prêmio pelo conjunto da sua obra, ele tuitou:

“Perdi a homenagem a Woody Allen. Eles lembraram da vez em que uma mulher confirmou publicamente que sofreu abuso dele quando tinha sete anos antes ou depois de citar ‘Noivo neurótico, noiva nervosa’?”.
Outro tweet mordaz, publicado em 2012, fez referência à relação de Allen com Soon-Yi Previn, filha adotiva de Mia Farrow com o maestro André Previn. O cineasta, que também adotou Soon-Yi ao se casar com Mia, acabou iniciando um relacionamento amoroso com a própria filha adotiva em 1992. Ressentido, Ronan não fala mais com o pai.

“Feliz dia dos pais — ou, como dizem na minha família, feliz dia dos cunhados”, escreveu em seu perfil na rede social.

Muitos acreditam, inclusive, que Ronan não é filho biológico de Allen. Sua semelhança com Frank Sinatra, ex-marido de Mia Farrow, é gritante. Em um texto de 2015, ele continuou atacando Allen, denunciando “uma cultura de silêncio e impunidade” em torno do cineasta, num artigo publicado no “Hollywood Reporter”.

Talvez mordido com o que considera uma injustiça dentro de sua própria família, decidiu ir atrás de Weinstein um dos mais poderosos predadores sexuais de Hollywood.

Os abusos de Weinstein não eram exatamente secretos. Nos bastidores de Hollywood, corriam várias denúncias sobre o produtor, mas elas acabavam invariavelmente sendo abafadas pela indústria e pela própria imprensa.

Mesmo com as informações e com mulheres dispostas a tornarem suas denúncias públicas, no entanto, muitos veículos temiam enfrentar um homem com tanto dinheiro e poder. Esse teria sido o motivo pelo qual Ronan preferiu publicar sua reportagem na “New Yorker”, e não na NBC, rede de TV onde trabalhava (o canal, no entanto, garante que não boicotou as investigações).

Ao todo, foram dez meses de trabalho, com declarações de mulheres como Asia Argento, Léa Seydoux e Mira Sorvino (atriz que, ironicamente, foi revelada para o cinema por Woody Allen).

As consequências seguem abalando Hollywood: denúncias em série contra atores, produtores, cineastas e jornalistas surgiram desde então. Paralelamente, um movimento nunca antes visto por melhores condições de trabalho para as mulheres começou a ganhar corpo, desaguando nos discursos da cerimônia do Globo de Ouro, no último domingo. E essa história, é claro, não deve parar por aí.

A notoriedade alcançada com as denúncias abriu muitas portas para Ronan. Na semana passada o jornalista assinou um contrato com a HBO para produzir uma série de jornalismo investigativo.