domingo, 14 de janeiro de 2018

"Multidões partidárias", por Ascânio Seleme

O Globo

Falta uma reforma política verdadeira para o Brasil consolidar sua democracia


Uma pequena cidade do Rio na divisa com o Espírito Santo, que se orgulha do seu vinho de jabuticaba e gosta de ser chamada de a “Petrópolis do Norte”, em razão de seu clima de montanha, é o melhor exemplo da urgência de uma reforma política para valer no Brasil. 

Com 10.402 habitantes, Varre-Sai tem nove vereadores filiados a oito partidos políticos (PMDB, PSD, PRTB, PP, PSB, DEM, PPS e PROS).


Os partidos existem para representar uma parte do todo. Tecnicamente, cada partido tem uma ideologia, uma filosofia própria que deve guiar as suas ações políticas e administrativas. É difícil imaginar a cidadezinha dividida entre tantas correntes.

Varre-Sai é a cara do Brasil. Para começar, o único partido que tem dois vereadores é o PMDB. São os xarás Juninho do Zé do Pedro, o mais votado, e Juninho Said, o menos votado. E o Said só entrou pelo quociente eleitoral, em número de votos ficou atrás de Rafael Ramos, do PT, e Jean Pierre, do PSDB. Não fosse isso, seriam nove vereadores para nove partidos.

A rigor, somente um desses representantes na cidade não pode ser líder de partido, um dos dois do PMDB. Todos os outros oito podem. Em Brasília, este tipo de ser é conhecido pelo apelido de líder de si mesmo. Nessa condição, ele tem mais regalias, ganha gabinete maior, pode contratar mais funcionários e multiplica suas cotas de telefone, correio e passagem aérea. Uma farra.

É claro que a coisa formatada desta maneira não poderia dar certo. Os interesses são tão distintos que, uma vez respeitados os programas dos partidos, o município jamais conseguiria aprovar uma lei ou definir um orçamento. Mas os partidos são miragens, servem para abrigar todo tipo de ideias e propostas, e não apenas aquelas que fundaram e deveriam orientar a agremiação.

E, mais que isso, a hiperfragmentação partidária torna a política mais baixa, de compadrios e interesses escusos. Foi essa, aliás, a origem do primeiro grande escândalo do PT, o outrora famoso mensalão. Para fazer maioria no Congresso, o primeiro governo Lula literalmente comprou o apoio dos partidos.

Na campanha de 2014, o PSDB de Aécio e o PT de Dilma compuseram coligações que eram imensas colchas de retalhos ideológicos, custeadas com dinheiro do Fundo Partidário, dinheiro público, para ser mais claro. Em Varre-Sai, em 2016, o prefeito Dr. Silvestre ganhou a eleição com uma coligação em que o seu partido, o PSD, atraiu DEM, PTdoB, PP, SD, PPS e, veja só, PT e PSDB. Os dois inimigos mortais no plano federal se uniram em Varre-Sai para eleger o Dr. Silvestre.

As regras eleitorais reformadas no ano passado vão reduzir o número de partidos com direito ao fundo, mas só a partir de 2022. Sem dinheiro público, a tendência é a desidratação e a extinção de partidos nanicos. Uns 15 partidos dos atuais 36 desaparecerão aos poucos graças à clausula de barreira aprovada.

Com o fim do financiamento privado de campanhas e a proibição das coligações, haverá mais transparência ao processo eleitoral. Mas essas mudanças não garantirão a governabilidade. No futuro, presidente, governadores e prefeitos continuarão tendo de negociar com multidões partidárias, menores, mas ainda assim multidões.

Aos partidos que sobreviverem caberá fazer uma reforma partidária para valer. Parece incrível, mas 32 anos depois do fim da última ditadura brasileira, ainda estamos construindo nossa democracia.

Hackers, aqui não A revista “The Economist” diz que a internet sofrerá ataques de hackers sem precedentes em 2018. Pode acontecer com as nossas velhas conhecidas urnas eletrônicas. Giuseppe Janino, secretário de Tecnologia e Informação do TSE, garante que não há por que se preocupar. “Fazemos nossos testes com hackers convidados. Fraudes ocorrem quando há manipulação humana”. Certo, mas não custa ficar atento.

A ONG do Eike Três meses em Bangu deram a Eike Batista uma boa ideia do que é a vida na prisão. E de quem vive na prisão. Na maioria, são jovens que cometeram crimes menores, como roubo, tráfico e outros tipos de agressões contra pessoas ou patrimônios. O ex-bilionário diz que vai montar uma ONG para trabalhar a favor desses pequenos criminosos que se tornam grandes na cadeia. Prisão deveria ser só para assassinatos e crimes hediondos, diz Eike.

Votos universais O Estado do Rio tem 650 mil fiéis da Igreja Universal. Os “bispos”, Crivella entre eles, acreditam que conseguem multiplicar por três este número na eleição. Somam a cada fiel pelo menos mais três de seus amigos mais próximos. Creem que quase dois milhões de votos estarão seguros pela Bíblia em outubro.

Boa notícia No Brasil, cerca de 80% das espécies de peixes mais consumidas estão em situação de vulnerabilidade ou ameaçadas de extinção. A única forma de salvar algumas dessas espécies é impedir a pesca predatória e mudar velhos hábitos de consumo. O AquaRio vai lançar uma campanha nacional em favor do consumo responsável dos recursos pesqueiros. Boa iniciativa privada que o Ministério da Pesca podia ajudar.

Novo índice econômico Um grande empresário do setor da comunicação contabiliza todos os jantares e almoços que dá em sua casa, uma extensão do seu escritório. São encontros de trabalho, na verdade. No ano passado, ele serviu 1.100 refeições em sua mesa, em média três por dia. Bom, não? Claro, mas em 2016 foram 1.400.

Sinal dos tempos Incrível, o presidente do Banco Central teve de escrever uma carta de 12 páginas para o ministro da Fazenda explicando por que a inflação 2017 ficou abaixo do piso da meta, e se comprometendo a mantê-la dentro dos parâmetros no ano que vem. Para quem já viu inflação mensal acima dos 80%, parece piada.

Mercado alado Já são 22 os pilotos brasileiros contratados por companhias aéreas do Vietnã. Esta semana chegaram a Hanói mais quatro, todos demitidos de empresas brasileiras. A Viet Jet, que cresce 7% ao ano e que comprou um avião novo por mês em 2017, é a que mais contrata, seguida da Vitenam Airlines. A Bamboo, uma empresa regional, negocia a compra de jatos da Embraer.

Agronegócio O Brasil já tem 14 adidos agrícolas lotados em embaixadas brasileiras. Embora seja bastante competitivo, o país tem que comer ainda muito milho para disputar o título de potência agrícola com os EUA. Tio Sam tem mais de cem adidos agrícolas espalhados pelo mundo.