domingo, 14 de janeiro de 2018

Brasil tem 4,5 milhões de excluídos digitais


O distrito de Cabuçu, em Itaboraí, é um dos 2.000 distritos do país que não contam cobertura de celular. Valdir Batista (mais velho) e Danilo Santos (direita) tentam conseguir sinal
Foto: Custódio Coimbra
O distrito de Cabuçu, em Itaboraí, é um dos 2.000 distritos do país que não contam cobertura de celular. Valdir Batista (mais velho) e Danilo Santos (direita) tentam conseguir sinal - Custódio Coimbra

Bruno Rosa - O Globo

Há 2.231 distritos sem cobertura de telefonia móvel, 20% do total


Depois de consertar o carro de um cliente, o mecânico José Ricardo Santos tentou receber o pagamento via cartão de crédito. Mas a máquina eletrônica não funcionava. Não havia sinal de celular. Ele tinha, então, duas opções, nada simples: ou andava três quilômetros para um lado ou dois para o outro. Morador de Cabuçu, distrito de Itaboraí, a pouco mais de uma hora de distância do Centro do Rio de Janeiro, ele é um dos 4,5 milhões de excluídos digitais que sofrem com um Brasil ainda desconectado.

Vinte anos depois da privatização do Sistema Telebrás, que prometia a universalização de serviços de telefonia e estímulo à concorrência, o país ainda tem 2.231 distritos, espalhados em 21 estados, que não contam com cobertura de celular, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Isso corresponde a mais de 20% de todas as 10.302 localidades contabilizadas pelo IBGE. Os dados fazem parte de um estudo que o órgão regulador está finalizando para ajudar o governo a formular novas políticas públicas de inclusão digital.

Segundo especialistas, como o telefone celular se tornou a principal forma de acesso à internet, especialmente na baixa renda, a falta de investimentos em infraestrutura impede o avanço da economia. Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a cada 1% de aumento no acesso à internet há um crescimento adicional de até 0,19% do Produto Interno Bruto (PIB).

— Não tem muito o que fazer. Em Cabuçu, nunca teve sinal de celular. Aqui estamos ainda no esquema do telefone fixo. Tem gente que perde emprego porque, até receber o recado, já passou a data da entrevista. Pagar a conta com essas máquinas é um problema, pois elas não funcionam. Quando roubaram minha moto, não consegui ligar nem para a polícia. O celular não funcionava — lamenta Santos.

LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA SEM INTERNET

Essa situação se espalha por todo o Brasil. O estado mais desconectado é a Bahia, onde, em 323 distritos, 1,255 milhão de pessoas vivem sem sinal de celular. Em seguida, aparecem Ceará — com 291 localidades sem cobertura móvel, prejudicando a vida de 631,6 mil habitantes — e Rio Grande do Sul, com quase meio milhão de pessoas, espalhadas por 570 distritos.

No Estado do Rio, falta sinal de celular para cerca de 111 mil, em 61 distritos de 29 municípios, ou seja, um terço do total. Isso ocorre até em cidades próximas à capital, como Itaguaí e Itaboraí — sendo que esta última ainda recebeu investimentos de infraestrutura nos últimos anos por causa das obras do Comperj, refinaria da Petrobras. Em São João da Barra, próximo ao Porto de Açu, o mesmo problema: falta de conexão. E em alguns dos distritos de Barra do Piraí, os laboratórios de informática das escolas não têm acesso à internet.

Segundo especialistas do setor, esse cenário de exclusão ocorre porque as empresas não são obrigadas a levar antenas de celular para todas as áreas de uma cidade. Pelas regras estabelecidas nos editais de leilões de frequência, as teles precisam cobrir 80% da área urbana da sede do município, abrangendo até uma distância de 30 quilômetros. Com isso, as empresas, preocupadas com o retorno econômico sobre o investimento, deixam de lado locais onde a população é pequena ou o nível de renda é baixo.

— Os compromissos de cobertura não fazem menção aos distritos fora da área de abrangência do município. Assim, as empresas não são obrigadas a levar rede para essas localidades. As companhias só levam infraestrutura para onde há retorno econômico sobre o investimento. Dessa forma, onde não há viabilidade, não há investimento. Por isso, a Anatel está levantando dados para saber onde há carência de infraestrutura para propor políticas públicas — explica Aníbal Diniz, conselheiro da Anatel e um dos responsáveis pelo relatório.

Com o objetivo de driblar a falta de cobertura móvel, as prefeituras vêm investindo em iniciativas para tentar melhorar a conectividade. Em Barra do Piraí, foi feita licitação para construir um anel de fibra óptica. O projeto, de R$ 450 mil, deve ser concluído por uma companhia local até outubro.

— As companhias só querem o filé, que é o centro. Ninguém quer ir até o distrito. Em alguns lugares mais distantes, os laboratórios de informática das escolas não têm internet. 

Os postos de saúde não têm internet, tudo era feito de forma manual — conta o secretário de Tecnologia, Alexandre Martins.

Em Santo Antônio de Pádua, no Norte do Rio, a prefeitura, que instalou antena para replicar o sinal das operadoras, investe em pontos de Wi-Fi nas praças públicas. É a mesma estratégia da vizinha São João da Barra. Em Itaboraí, a prefeitura informou que fará licitação para contratar serviço de fibra óptica. Mas isso não vai ajudar a população, dizem Valdir Batista e Danilo Santos, dois dos cerca de 8,3 mil moradores de Cabuçu, segundo a Anatel.

— Em Cabuçu, só tem telefone fixo e internet banda larga. Então, a gente compartilha a senha de Wi-Fi das casas para ficar conectado. Quando meu carro enguiçou, fiquei na estrada esperando alguém passar — conta Danilo Santos.

‘NÃO CONSIGO VER NOVELA PELO CELULAR’

Ingrid Pina, que trabalha no pet shop da cidade, diz que a velocidade da internet fixa, quando funciona — o que “não é todo dia”, diz — mal chega a um mega:

— Não consigo ver novela pelo celular! No trabalho, perco muita venda também, pois, na hora de fazer entrega, não tem como pagar. Tenho celular mesmo só para usar WhatsApp com Wi-Fi. Aqui, é tudo atrasado.

Outro fator que prejudicou o aumento da conectividade no país foi a crise econômica. 

Foram três anos consecutivos de redução nos investimentos das empresas, que, em 2017, ficaram em R$ 26,6 bilhões anuais. Para Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio Vargas Direito, esse cenário de recessão impossibilitou o crescimento dessas regiões, tornando as localidades ainda menos atraentes para as teles:

— Como são áreas de baixa renda ou com pouca população, as empresas dificilmente vão investir. É preciso política pública, assim como foi feito com a universalização da telefonia fixa. A questão é que a demanda mudou para telefonia móvel e internet, tornando a rede fixa e os orelhões ociosos.

Eduardo Levy, diretor-executivo do Sinditelebrasil, que representa as empresas do setor, argumenta que as empresas investem em rede e em municípios além da obrigação determinada pelo governo. Em nota, o sindicato destacou que, nos 5.109 municípios onde moram 99% da população brasileira, a cobertura de 3G está bem acima da meta atual, que é de 4.417. No caso do 4G, a rede já chegou a 3.608 municípios, onde moram 91% das pessoas, patamar três vezes superior aos 1.079 da meta atual.

— O setor investe em rede e cumpre mais do que a política pública exige. Fazemos além da obrigação — afirma Levy.