DANIELLE BRANT, Folha de São Paulo
O playboy Jorginho Guinle (1916-2004) achou que ia morrer aos 80 anos.
Decidiu, então, aproveitar ao máximo a vida e torrou sua fortuna. Ele, porém, viveu até os 88, sem dinheiro e morando de favor no Copacabana Palace, hotel fundado por sua família -e seus herdeiros ficaram de mãos vazias.
A ruína de Jorginho não só abriu os olhos de muitas famílias -que viram a necessidade de ter uma gestão profissional para preservar seu patrimônio. Bancos, consultorias e butiques de investimento também notaram que havia um mercado e passaram a disputar esses milhões.
Afinal, são valores que estão longe de ser irrisórios: as casas especializadas costumam cobrar uma comissão ou taxa pelo trabalho que pode variar entre 0,25% e 1,5% do total sob gestão.
Outra alternativa adotada pelos muitos ricos é nomear alguém da família ou um executivo para administrar o "family office", a estrutura criada para gerir o patrimônio. Montar uma empresa dessas requer (além de dinheiro) autorizações de reguladores.
"Um terço dessas famílias opta por montar o 'family office', mas dois terços delegam. Isso vai depender do perfil da família", afirma Leonardo Bortoloto, sócio da Aditus, consultoria que tem R$ 30 bilhões sob gestão.
"Se tiver feito a fortuna no mercado financeiro, poderá puxar para si a decisão. Mas, se vier da indústria, por exemplo, poderá preferir transferir a gestão."
Na prática, a decisão também pode ampliar ou limitar o espectro de produtos a investir. Se escolherem uma gestora, a oferta de aplicações vai ser a que estiver no portfólio dessa empresa.
Uma gestão independente, por outro lado, consegue enxergar o mercado de uma maneira mais abrangente, avaliando melhores opções em casas distintas, de acordo com o planejador financeiro Rodrigo Assumpção, da associação Planejar.
Henrique Assale /Folhapress | ||
ALTO NÍVEL
Como funcionam os escritórios que deixam os ricos mais ricos
Como funcionam os escritórios que deixam os ricos mais ricos
1 - O QUE SÃO
Empresas que ajudam famílias a manter ou ampliar seu patrimônio; às vezes a própria família cria uma estrutura para fazer essa gestão
Empresas que ajudam famílias a manter ou ampliar seu patrimônio; às vezes a própria família cria uma estrutura para fazer essa gestão
2- PÚBLICO-ALVO
Famílias milionárias –ou bilionárias
Famílias milionárias –ou bilionárias
3- COMO FUNCIONAM
Um administrador ou membro da família fica encarregado de tomar decisões envolvendo o patrimônio da família, seja no caso de um family office ou na escolha dos serviços de outra empresa ou de um banco
Um administrador ou membro da família fica encarregado de tomar decisões envolvendo o patrimônio da família, seja no caso de um family office ou na escolha dos serviços de outra empresa ou de um banco
4- COMO COBRAM
Costuma ser um percentual dos ativos sob gestão
Costuma ser um percentual dos ativos sob gestão
5- QUAIS SERVIÇOS OFERECEM
Além de assessoria financeira e de investimentos, podem gerenciar as contas, pagar impostos e empregados, fazer planejamento sucessorial, tributário e jurídico
6- INVESTIMENTOS
Têm acesso a produtos mais sofisticados (fundos exclusivos e com estratégias mais arriscadas); muitas famílias aplicam parte do dinheiro no exterior
ALÉM DA FORTUNA
A fortuna dessas famílias é uma porta de entrada para fundos que investem em ativos mais arriscados e que podem dar retorno maior que os conservadores, engordando ainda mais o montante -ou reduzindo-o, a depender, claro, do sucesso da aposta.
E uma decisão que muitas tomam -se não, todas- é colocar parte do dinheiro no exterior, para diminuir a exposição ao risco-Brasil.
Além de cuidar dos investimentos, essas consultorias têm como tarefa auxiliar as famílias em outros aspectos. Costumam cuidar do pagamento de empregados, gerenciar os imóveis, ajudar no planejamento tributário e até evitar brigas de herdeiros, segundo Bortoloto, da Aditus.
No caso da gestora independente de patrimônio Wright Capital, a intenção é convencer cada vez mais famílias a destinar uma parte do dinheiro a investimentos com impacto social.
Isso é feito por meio de um fundo que, por sua vez, aplica em fundos que captam recursos para projetos que buscam melhorar a educação infantil, levar saneamento a áreas pobres ou construir moradia para quem não tem onde morar.
BAIXANDO A RÉGUA
Algumas dessas casas já começam a olhar para quem não tem tanto dinheiro, mas se vê com uma soma vultosa nas mãos, decorrente, por exemplo, da venda de um apartamento. É o caso da Fiduc, que trouxe um modelo de atuação que prioriza quem tem pelo menos R$ 100 mil disponível para investir.
"Aqui, esse planejamento financeiro é restrito para milionários, e o impacto é muito pequeno, porque são poucas pessoas. A ideia é popularizar, como já acontece nos Estados Unidos, no Canadá, no Reino Unido e na Austrália", diz Pedro Guimarães, presidente da Fiduc.
Os consultores cobram um percentual de 1,5% dos ativos sob gestão pelo trabalho.
"Temos objetivos alinhados com os do cliente. Quanto mais ele ganha, mais nós ganhamos. Nosso interesse não é vender produtos, como o de bancos. É ingenuidade pensar que o modelo de negócios dele não vai imperar", afirma Guimarães.
Em outras consultorias ou mesmo nos bancos, o atendimento para esse público muda. "Ter um cliente com R$ 300 mil para investir não compensa financeiramente no nosso caso", diz Bortoloto, da Aditus. "Esse perfil vale a pena para quem quer escala. Mas a estrutura oferecida é diferente."
É a mesma avaliação do planejador Rodrigo Assumpção. "É um trabalho menos complexo, não envolve esse atendimento jurídico, tributário e sucessorial", diz.
GRANDES BANCOS
Na última década, os principais bancos do país passaram a entrar com força no segmento dos mais ricos. Como parte da estratégia, lapidaram a área private, destinada aos mais endinheirados, e destacaram equipes para oferecer serviços parecidos com os dos "family offices" e atender com mais cuidado esse público.
Bradesco, Itaú e Santander enveredaram por esse caminho, aprimorando o atendimento personalizado que já ofereciam ao público private.
No Bradesco, esse foco teve início em 2009 e é direcionado para clientes com pelo menos R$ 300 milhões em recursos para investir.
O banco tem cerca de 70 "family offices", únicos ou múltiplos -várias famílias debaixo de uma mesma estrutura de gestão. "Quando cuidamos bem do 'family office', ele atrai outros clientes", diz João Albino Winkelmann, diretor da instituição.
Como parte desse relacionamento, a vantagem para o banco está em criar vínculos com os donos dessas fortunas e oferecer financiamentos, empréstimos, seguros de vida ou automóveis, emitir fianças ou criar produtos de investimento exclusivos.
O trabalho dos bancos com esses clientes passa pelo planejamento de investimento, sucessório e até fiscal, mas serviços complementares que "family office" realiza (pagamento de contas, por exemplo) ficam de fora do pacote.
Nos investimentos, os "family offices" têm perfil de conservador a moderado, afirma Winkelmann.
"O dinheiro do banco é a poupança para a próxima geração.
Ele não quer correr muito risco, porque já enfrenta isso no próprio negócio", diz.
O diretor do Bradesco diz que essas famílias buscam alocar entre 40% e 60% do patrimônio no exterior, para diluir o risco-Brasil, que já está contemplado no negócio.
No Santander, a área é mais recente: cerca de três anos. A ideia é assessorar famílias com ao menos R$ 100 milhões de patrimônio.
"Temos uma equipe que entende da parte macroeconômica, de crédito, usamos a assessoria patrimonial para desenhar a melhor estrutura de produtos para os clientes", diz Gustavo Schwartzmann, superintendente-executivo de private banking.
Segundo ele, a avaliação é feita com isenção. "A gente olha para o patrimônio do cliente de forma agregada, vamos ver o que cada um dos bancos oferece de melhor e manter o relacionamento com cada uma das casas com as quais ele já se relaciona."
Para o planejador Rodrigo Assumpção, da associação Planejar, a independência é justamente a questão. "A questão é saber se os bancos vão conseguir trabalhar de forma isenta, se vão conseguir sugerir produtos de outros bancos. Os clientes buscam essa independência."