Leia a íntegra da ação direta de
inconstitucionalidade movida pela
procuradora-geral no Supremo
pedindo a suspensão imediata do
artigo 1.º da Emenda 97/17 que
garante às agremiações autonomia
para definir livremente a duração
de seus diretórios e órgãos
provisórios
Julia Affonso e Fausto Macedo, O Estado de São Paulo
Ao atacar o artigo 1.º da Emenda Constitucional 97/17 em ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, a procuradora-geral da República Raquel Dodge é taxativa. “Uma emenda que tenda a gerar donos de partidos é inconciliável com o regime democrático concebido pelo constituinte originário. Por tudo isso, uma emenda dessa ordem choca-se com a proibição de que se produzam alterações da Constituição que tendam a depreciar princípios fundamentais da Carta de 1988.”
Documento
“Não é incomum que partidos políticos mantenham por largo tempo diretórios municipais ou estaduais administrados por comissões provisórias”, assinala a procuradora.
Raquel sustenta. “Em anos eleitorais, figuras eminentes em nível nacional nomeiam os dirigentes desses diretórios a título precário. Esses integrantes dos diretórios locais, assim, dependem da vontade de órgãos centrais para permanecer na função, com o óbvio inconveniente de não poderem, na prática, escapar às imposições que lhe façam os que mantêm posição de mando sobre o partido no plano nacional. São esses diretórios precários, assim limitados na sua liberdade, afinal, que indicarão os candidatos do partido na circunscrição em que atuam.”
“Efetivamente, deixar ao livre alvedrio do partido a decisão de estabelecer, ou não, o prazo de validade dos diretórios provisórios infringe os princípios constitucionais que informam o Estado de direito Democrático”, segue a procuradora. “De fato, possibilitar que os partidos políticos, em seus estatutos, definam livremente o prazo de vigência dos diretórios provisórios significa abrir largo horizonte para a concentração de poder e inequívoco obstáculo à renovação política municipal ou estadual, com não menos inexoráveis e indesejadas consequências sobre a perpetuidade dos líderes nacionais máximos. Opera-se a deturpação do papel de representação de interesses de base do partido.”
Na ação que levou ao Supremo contra o artigo 1.º da Emenda 97/17, a procuradora afirma, ainda. “A escolha de candidatos a pleitos passa a ser controlada de modo incontornável pela direção nacional, limitando a renovação partidária e frustrando que o partido apresente ao eleitor candidatos surgidos nas próprias bases partidárias. Com efeito, em alguma medida, o eleitor tem uma posição passiva na democracia partidária, já que ele vota em candidatos selecionados pelos partidos. Uma organização partidária autoritária, na qual os dirigentes atuam como soberanos, pode restringir ainda mais as opções já limitadas dos eleitores, com prejuízo ao direito fundamental de participação política.”
“O certo é que a autonomia partidária não pode ser construída a partir de uma arquitetura institucional que contradiz o princípio democrático, razão de ser do próprio partido. O problema da Emenda Constitucional 97, de 4 de outubro de 2017, quando assegura aos partidos políticos autonomia sem limite para estabelecer a duração de seus órgãos provisórios, está precisamente em propiciar essa situação que os princípios fundamentais da ordem democrática e os direitos fundamentais de ordem política – todos cláusulas pétreas explícitas ou implícitas – refugam. Não custa lembrar que o cidadão, em uma democracia partidária, tem o direito fundamental não apenas a governos íntegros4 , mas também a partidos políticos que operem de forma transparente e participativa. Preservar essa relação é, em última instância, fortalecer a soberania popular.”