Um país com índices elevados de violência — quase 60 mil homicídios por ano, ou cerca de 30 por grupo de 100 mil habitantes — precisa mesmo discutir onde poder público e sociedade erram. A lista de falhas é extensa, mas, no caso do Estado, um ponto vulnerável que se destaca no complexo de segurança pública está nas leis penais, na sua execução e nos presídios.
Assim como o Estado brasileiro gasta muito e mal, ele costuma prender muito e também com enormes falhas. É sempre possível imaginar-se alguém que deveria estar fora das ruas. Há uma indigesta mistura de aspectos negativos no universo da segurança: polícias violentas, mal treinadas, presídios superlotados e insalubres etc.
De tempos em tempos, explodem rebeliões em cadeias, e o tema volta ao noticiário. No início do ano foram no Norte e Nordeste, com cenas de selvageria — decapitações, mutilações. Um sistema frágil, desarticulado, não consegue se contrapor ao avanço, por sobre as fronteiras estaduais e até internacionais, de organizações criminosas, presentes também dentro do sistema penitenciário.
Com mais de 600 mil presos, o Brasil reúne a quinta maior população carcerária do mundo. Seria bem maior, se centenas de milhares de mandados de prisão engavetados fossem cumpridos. Se acrescentarmos que os índices de solução de crimes é baixíssimo, temos uma fórmula eficiente para gerar na sociedade uma perigosa sensação de impunidade, antessala do banditismo.
Há, ainda, ineficiências que levam à execução penal pouco ou nada ressocializar, e ainda a colocar de volta à rua quem não deveria. Basta acompanhar o noticiário policial para constatar os casos de presos de alta patente que volta e meia são soltos em indultos de Natal, de Dia das Mães etc.
Ainda nas últimas chacinas em presídios, teve destaque a informação de que 40% dos presos são provisórios. Ainda não julgados, mas que já cumprem pena. Emerge disso a evidência de importantes falhas administrativas na esfera da Justiça e do sistema penitenciário. Por isso, em meio àquela crise, foram lembrados os mutirões patrocinados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em presídios, para levantar a situação legal dos apenados. Deveriam voltar a ser realizados, e com frequência.
A questão da droga está no centro deste problema, porque parcela ponderável dos presos responde por algum crime relacionado ao tráfico. Mas nem todos deveriam estar detidos. A lei antidrogas de 2006 foi atenuada para usuários e endurecida para traficantes, o indicado.
Porém, como não há critérios objetivos para discriminar um de outro, viciados continuam a ser enquadrados pela polícia e Justiça como traficante, e terminam em penitenciárias, sem necessidade. Pioram um sistema já superlotado e terminam recrutados, aí sim, para o tráfico.
Que há muita coisa errada, não se tem dúvida. O desafio dos poderes da República é conseguirem formular um plano comum para reformar esta máquina, com ramificações no Executivo e no Judiciário. Não deve ser difícil estabelecer consensos. O principal dele é que o que está aí não funciona.