Nem sempre o que o povo quer é o que o juiz pode fazer
Políticos jogam para a arquibancada, e é da natureza da atividade que isso aconteça. Sustentados pelos votos das torcidas, eles se permitem liberalidades que não cabem nas funções do Poder Executivo (caso das reformas estruturais indispensáveis), muito menos no papel exercido pelo Judiciário, cujo primado é a lei, goste-se ou não dela.
Quando veem sua sobrevivência em risco, políticos podem seguir o que lhes for mais conveniente: atender ao clamor da sociedade, ceder aos interesses dos patrocinadores ou das corporações, entidades e grupos de pressão a que estão ligados. Atuam de acordo com as circunstancias. A magistrados não é dada essa prerrogativa, muito embora nada impeça que alguns cedam à tentação de extrapolar. Para o bem e para o mal.
A boa regra, no entanto, impõe que a Justiça caminhe por espaços bem mais estreitos que aqueles desejados pela sociedade. Em suma: nem sempre o que o povo quer o juiz pode fazer. Em tempos como os atuais, em que decisões do Judiciário são acompanhadas, questionadas e discutidas com interesse e paixão, facilmente se cai na armadilha da precipitação, prima-irmã da simplificação.
É o que ocorre agora diante da revogação de prisões determinadas pela Lava-Jato em primeira instância (em decorrência de condenação e/ou de decretação da medida cautelar da prisão preventiva); é o que ocorreu também quanto o Supremo Tribunal Federal voltou atrás na condenação de réus do mensalão pelo crime de formação de quadrilha, no exame dos embargos apresentados pelas defesas. Na ocasião houve uma grita geral contra a decisão alegando-se que, com ela, o STF desmanchava o trabalho feito até então.
Por esse raciocínio não bastaram as condenações por outros crimes, era preciso manter a posição anterior sob pena de o tribunal estar “virando as costas para a sociedade”. Mesmo que os ministros apontassem fundamentos nos embargos , que aliás, existem para isso. No caso da liberação do pecuarista José Carlos Bumlai e do ex-tesoureiro do PP João Carlos Genu, mais o acatamento do habeas-corpus que pode resultar na saída de José Dirceu da prisão, deu-se reação menos estrondosa, mas igualmente precipitada e, sobretudo desinformada.
Falou-se em “derrota” do relator da Lava-Jato no Supremo, Luiz Fachin, em “desmanche” do trabalho do Juiz Sergio Moro, em ameaça às investigações, em elogio à impunidade, enfim, teve de tudo. Como se a prisão de gente que nunca imaginou ter esse destino fosse algo banal. E mais: como se os processos estivessem sendo encerrados e essas e outras pessoas que eventualmente sejam beneficiadas temporariamente não pudessem voltar à cadeia.
Podem sim. Justamente por iniciativa do próprio STF que recentemente alterou a interpretação constitucional e autorizou a prisão de condenados em segunda instância , que antes podiam aguardar em liberdade o exame de todos os recursos até o trânsito em julgado. Esse jogo não acabou. Ou, por outra, está só começando. E para que chegue a bom termo é preciso que seja na lei. Não pode ser na marra.