segunda-feira, 8 de maio de 2017

Limites do CNJ para inibir a censura

Frederico Vasconcelos - Folha de São Paulo


A nomeação da comissão que vai conduzir o “Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa” é uma notícia auspiciosa.
A medida está sendo tomada com atraso pelo Conselho Nacional de Justiça. A ideia nasceu em 2012, na gestão de Ayres Britto. Sua primeira composição foi formalizada na administração de Joaquim Barbosa, mas o fórum, na prática, não decolou.
Nesse intervalo, não foram poucas as decisões judiciais cerceando a liberdade de imprensa e dificultando o trabalho dos jornalistas. Multiplicaram-se os casos de censura prévia.
Coube à ministra Cármen Lúcia, atual presidente do CNJ, resgatar a proposta de Ayres Britto.
O fórum foi previsto numa das 258 resoluções que ela herdou. Sobreviveu à filtragem do Grupo de Trabalho criado em outubro de 2016 para analisar e aglutinar essas normas, muitas delas incompatíveis e que o Conselho não conseguia dar conta.
Cármen Lúcia tem demonstrado, em votos e pronunciamentos, ser uma defensora da ampla liberdade de expressão.
“Queremos saber quais são os problemas com uma Constituição que garante tão amplamente liberdades, inclusive a liberdade de imprensa, e com um texto que não necessita de grande intervenção para ser interpretado: é proibido qualquer tipo de censura”, afirmou em entrevista durante evento em Brasília sobre liberdade de imprensa.
As condições objetivas para o sucesso do fórum recomendam cautela, evitando-se criar expectativas que venham a ser frustradas.
Ao anunciar a portaria com os nomes dos integrantes da comissão, o CNJ afirmou que “eles terão a atribuição legal de examinar casos de censura, processos contra jornalistas, e demais restrições à atividade jornalística em que o Judiciário pode atuar para garantir a liberdade de imprensa e o direito à informação”.
O cidadão comum pode imaginar que o CNJ passará a julgar casos de excessos praticados por magistrados ao censurar informações ou opiniões. O CNJ não possui atribuição jurisdicional, não pode interferir na função típica do Judiciário, possui apenas função administrativa, de controle interno e organizacional.
Essa limitação está prevista logo no primeiro artigo da Resolução nº 163, de 13 de novembro de 2012, que criou o fórum [grifo nosso]:
Art. 1º Fica criado, sem nenhuma interferência na autonomia decisória de cada magistrado ou instância judiciária, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa.
Segundo a resolução, caberá ao fórum –um local de debates– fazer “o levantamento estatístico das ações judiciais que tratem das relações de imprensa; o estudo de modelos de atuação da magistratura em países democráticos, que possam facilitar a compreensão de conflitos que digam respeito à atuação da imprensa; e a atuação integrada com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e as escolas de magistratura dos tribunais, visando ao aprofundamento dos estudos sobre o tema”.
É claro que essa entidade –formada por membros da Justiça, da OAB e por representantes de entidades da imprensa– poderá ser uma voz influente para relatar casos graves de censura judicial e embaraços à atividade da imprensa.
Há, contudo, um aspecto não mencionado no noticiário sobre a reativação do fórum. Na atual gestão, o CNJ emite sinais divergentes à magistratura sobre a questão da liberdade de imprensa.
Enquanto Cármen Lúcia manifesta a intenção de apurar as denúncias de censura e afirma que “o cala-boca já morreu”, o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, fixou como prioridade blindar os juízes, mantendo um discurso de endurecimento em relação à imprensa.
Em palestra em Belo Horizonte, em setembro de 2016, o corregedor disse que magistrados brasileiros têm se sentido “forçados” a sempre condenar réus em ações penais, acuados pelo receio de uma avalanche de críticas, e perderam a independência para julgar da maneira que lhes parecer mais acertada.
Segundo relato publicado no site “Consultor Jurídico“, “o ministro reconheceu que parte da culpa por essa pressão é dos próprios juízes, que fixam baixas reparações em casos de abuso da liberdade de imprensa”.
“Manchetes de jornal que aniquilam histórias de vida” devem ser punidas com indenizações rigorosas, disse o corregedor.
A lei pune os excessos da imprensa. Mas a recomendação do corregedor –como este Blog já registrou– pode soar como intimidação e servir de estímulo para novos juízes aplicarem punições insustentáveis, como a retirada de notícias de sites, indenizações que inviabilizam a atividade de pequenos veículos de comunicação ou a inaceitável censura prévia.
As previsões mais pessimistas sugerem que o fórum reativado contará com o apoio do corporativismo da magistratura e poderá servir de biombo para a classe, no momento em que o Judiciário é alvo de críticas da sociedade.