terça-feira, 2 de maio de 2017

Ex-secretária da mulher de Cabral detalha repasses em dinheiro no escritório de advocacia


Escritório de Adriana Ancelmo, no Centro do Rio - Divulgação


Chico Otávio e Daniel Biasetto - O Globo


Michele Thomaz Pinto conta que memória de celular foi apagada remotamente após ser demitida por Adriana Ancelmo


Antes de sair pela última vez do escritório de Adriana Ancelmo, demitida após dez anos de trabalho, a secretária Michele Thomaz Pinto tomou o cuidado de guardar na bolsa um caderninho, onde anotava tudo o que fazia, e um pendrive carregado de dados. Enquanto se despedia da ex-chefe e do advogado Thiago Aragão, sócio do escritório, deixou a bolsa sobre a mesa. Em seguida, recolheu-a e saiu. Já na portaria do prédio, o Edifício Bozano Simonsen, na Avenida Rio Branco 138, no Centro do Rio, abriu a bolsa outra vez e descobriu que o caderninho e o pendrive haviam desaparecido.

Da década vivida na mesa em frente à sala da mulher do ex-governador Sérgio Cabral, restaram basicamente a memória e alguma informação salva no WhatsApp. Até o celular, um iPhone, teve a memória apagada por alguém, remotamente, horas após a demissão. Na semana passada, ao ser acusada de roubo e fraude por Adriana Ancelmo, Michele teve de recorrer à memória para defender-se. Testemunha-chave de entregas regulares de propina ao escritório, em remessas que iam de R$ 200 mil a R$ 300 mil semanais, a ex-secretária garantiu que o seu papel era receber o entregador, Luiz Carlos Bezerra, contar o dinheiro e pagar as despesas de Adriana. O volume era tão grande que a chefe, segundo Michele, perdia a noção do que pagava.

— Estão tentando atacar a minha imagem para desmentir o que fizeram de errado — diz ela.

Em depoimento ao juiz Sergio Moro, Adriana disse que demitiu Michele, em novembro de 2015, depois de saber, pela gerente de sua conta bancária, que a secretária usava os seus cheques para fazer pagamentos desconhecidos. Também a acusou de não recolher o INSS dos funcionários do escritório por um ano e de carregar indevidamente talonários seus, assinados, e quatro cartões de crédito desbloqueados. Michele não nega. Andava de fato com os talonários e com dois cartões de crédito — e não quatro — na bolsa, mas tudo por ordem da chefe, que a obrigava periodicamente a pagar as suas despesas pessoais na agência do Itaú na Rua Olegário Maciel, na Barra, onde a ex-primeira-dama tinha uma conta.

Michele, que trabalhou no escritório de 2005 a 2015, disse que o jeito áspero de Adriana Ancelmo, sempre implacável quando a secretária não lhe agradava, a fazia sentir-se como a personagem Andrea “Andy” Sachs (Anne Hathaway) do filme “O diabo veste Prada” — uma aspirante a jornalista que consegue emprego como secretária da editora de moda novaiorquina Miranda Priestly (Meryl Streep) e acaba tiranizada pela chefe durona. Adriana, segundo ela, frequentava o local de duas a três vezes por semana. A ex-primeira-dama ocupava uma das três salas em frente à mesa de Michele, que dividia o espaço com a então ajudante de ordem de Adriana, coronel Fernanda, quando a chefe estava presente.

Como as salas eram de vidro com persianas, a secretária tudo via.

De sua mesa, por exemplo, Michele observava Adriana receber, frequentemente, uma funcionária da H.Stern levando uma bolsa preta. Um segurança da joalheria sempre acompanhava a vendedora, mas não entrava na sala.

Nos sete primeiros anos, conta ela, a rotina era normal. Do início como assistente administrativa, Michele saltou para o cargo de secretária excutiva e logo virou uma funcionária de confiança, a quem Adriana delegou a gestão financeira do escritório e o pagamento das despesas pessoais. Apesar do azedume da chefe, dava para levar. O clima, porém, ficou mais pesado a partir de 2013, quando começaram as visitas regulares de Luiz Carlos Bezerra, um dos operadores de Cabral, sempre com a mochila.

As aparições de Bezerra (que está preso), suspeita a ex-secretária, coincidem com o momento em que Cabral deixa de usar sozinho o dinheiro de propina e passa a recorrer à mulher, para ela pagar parte dos gastos. O dinheiro entregue pelo operador, disse Michele, servia para pagar os 17 funcionários pessoais do casal (das residências do Leblon e de Mangaratiba), os oito funcionários do escritório, a bonificação dos advogados e contas de Adriana, como taxas de condomínio, incluindo dois apartamentos na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, mensalidade da escola dos dois filhos e boletos diversos, como os da Sky e da NET.


PROPINA ERA CHAMADA DE BOMBOM

Michele era avisada com antecedência das visitas de Bezerra pela secretária de Cabral, Sônia. Elas usavam o aplicativo Wickr, que deleta automaticamente a mensagem enviada. 

Com a entrega da mochila, a secretária auxiliava um dos sócios de Adriana, Thiago Aragão, a contar o dinheiro — notas de R$ 100 e de R$ 50 — na sala de reuniões. Bezerra, sempre apressado, nunca falava em dinheiro. Preferia usar expressões como “bombom”, “brigadeiro” ou “encomenda” para se referir ao conteúdo da mochila. No início, ele aguardava a contagem no escritório. Com o passar do tempo, saía e preferia receber uma mensagem atestando o valor entregue.

Depois da contagem, o dinheiro era guardado em cofre na sala de Aragão, recorda-se Michele. Ela desconfia de que a divisão das despesas entre Cabral e Adriana teve o objetivo de esquentar a propina. As suspeitas cresceram quando a mulher do ex-governador passou a também honrar a folha de pagamento da rede de restaurantes Manekineko. Seu proprietário, cunhado de Aragão, mandava todo mês a planilha de pagamento, com o nome, o valor e a conta de cada funcionário, no valor total de R$ 200 mil. Michele, então, recebia a quantia em dinheiro, atravessava a rua e a entregava para a gerente de uma agência bancária em frente ao escritório. Em troca, o Manekineko, segundo ela, emitia nota fiscal nesse valor em favor do escritório.

Quando o envolvimento do Manekineko foi divulgado, a rede não quis se manifestar.
Michele disse que, de tanto viajar ao exterior, principalmente a Londres e a Nova York, Adriana Ancelmo conseguia comprar com as milhas acumuladas passagem para as três amigas mais próximas, Ana, Juliette e Simone. Uma das poucas providências que Adriana gostava de tomar sozinha, disse a secretária, era fazer reservas de restaurantes e outros programas de viagem.

Michele acredita que está sendo vítima de uma campanha de desmoralização, pelo fato de ter revelado as visitas regulares de Bezerra e sua mochila. Ela diz que quis sair do escritório por iniciativa própria e só foi demitida a seu pedido para ganhar indenização. Em depoimento às autoridades, Thiago Aragão, que está preso, contou que tivera um caso com Michele, razão pela qual ela estaria tentando retaliar. Michele confirma a relação, mas diz que os dois continuaram amigos depois de terminarem. A ex-secretária se diz assustada e teme sofrer retaliações.

A secretária Michele Thomaz Pinto trabalhou dez anos com Adriana Ancelmo - Reprodução internet