segunda-feira, 1 de maio de 2017

"Emmanuel Macron e a renovação da política na França", por Mathias Alencastro


Martin Bureau/Reuters
Emmanuel Macron, candidato na eleição presidencial francesa
Emmanuel Macron, candidato na eleição presidencial francesa


Folha de São Paulo

Emmanuel Macron e João Doria mostraram grande senso de oportunidade ao irromper na política no momento propício, passando ao centro do palco em uma questão de anos, se não de meses. Um deles se encontra às portas da Presidência da França. O outro parece almejar a Presidência a partir de sua eleição à Prefeitura de São Paulo.

A comparação de Macron com Doria serve sobretudo para medir o alcance do projeto de renovação política do francês.

Depois de brilhante período de estudos, Macron passou no concurso de Inspetor das Finanças, uma das carreiras mais disputadas entre os servidores públicos. Seguiram-se dois cargos políticos de primeiro nível: Secretário-Geral do Palácio, uma versão francesa do Chefe de Gabinete do Presidente, e Ministro da Economia.

Apesar de ter realizado a sua trajetória na administração pública, Emmanuel Macron goza de grande prestígio entre o empresariado.

Durante alguns anos, ele interrompeu a sua carreira de Estado para trabalhar no Banco Rothschild, onde pilotou algumas das fusões e aquisições europeias mais complexas das ultimas décadas.

Enquanto João Doria é um empresário que pretende privatizar a máquina estatal, Emmanuel Macron é um especialista da administração pública com profundo conhecimento das necessidades do setor privado. Isso explica porque o primeiro endossa a agenda antiestatista, enquanto o segundo é mais próximo das teses do Estado estrategista.

Porém, o que mais distingue Emmanuel Macron do prefeito paulistano é sua relação com o sistema partidário.

Doria parece preso à contradição de reivindicar para si o papel de gestor antipolítico, embora seja, na verdade, representante de um partido bem implantado em São Paulo e no país. Quando questionado sobre a possibilidade de se emancipar dos tutores que o alçaram à prefeitura, ele alterna entre sugestões ambíguas e promessas de lealdade filial.

Com Macron, por outro lado, parece ocorrer o inverso. O ato fundador da sua entrada na vida política ativa é a ruptura com a classe política e a fundação de um movimento autônomo.

Ao armar a sua candidatura, Macron entrou em competição direta com o seu mentor, François Hollande, liquidando seu projeto de reeleição à presidência da França.

Dispensando o apoio da máquina partidária governista, Macron lançou o En Marche!, mantendo-se afastado de qualquer aliança com os partidos tradicionais. Numa busca constante pela independência programática, Macron se declara favorável tanto a ideias do campo progressista como a projetos do campo conservador.

Essa aposta ousada numa plataforma pós-partidária, recebida inicialmente com ironia pelos seus rivais e pelos comentadores políticos, esvaziou as candidaturas tradicionais, que atingiram mínimos eleitorais históricos no primeiro turno das presidenciais.

O quase certo sucesso de Emmanuel Macron no segundo turno coloca a barra da renovação bem alta para os que se inspiram em seu percurso na França: a implosão do sistema partidário deverá ser uma condição, e não apenas uma promessa, para legitimar as suas candidaturas.


Mathias Alencastro, cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford.