sexta-feira, 5 de maio de 2017

É tempo de estranhas alianças?

Capitaneada pelo ministro Gilmar Mendes, a Segunda Turma do STF se transformou, para os políticos encrencados na Lava Jato, no caminho mais curto entre a cela das cadeias e a porta de saída do xadrez. Acordão à vista?


Crédito: Divulgação/STF
PARCERIA TOGADA Quem diria: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli unidos por um mesmo ideal (Crédito: Divulgação/STF)
DECEPÇÃO O ministro Gilmar Mendes virou alvo de manifestantes em frente ao STF (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)
Antes do julgamento de Dirceu, o meio jurídico e os investigadores já vaticinavam o resultado. Foi por saber o que aconteceria naquele tribunal que o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, decidiu antecipar uma nova denúncia contra Dirceu. A idéia foi tentar pressionar o Supremo a não soltar o petista. Na intenção de preservar a hercúlea missão da Lava Jato, Dallagnol resolveu manobrar o calendário. Legitimamente, diga-se. Cada um lança as cartas que tem na manga. Mas foi em vão. Chegou até a ser ridicularizado por Gilmar Mendes, indicando que o procurador de 37 anos foi ingênuo ao imaginar que poderia influenciar a suprema corte. “Se nós devêssemos ceder a esse tipo de pressão, quase que uma brincadeira juvenil… são jovens que não têm a experiência institucional nem vivência institucional, e por isso fazem esse tipo de brincadeira (…) Se nós cedêssemos a esse tipo de pressão, nós deixaríamos (…) de ser ‘supremos’. Curitiba passaria a ser ‘suprema’. Nem um juiz passaria a ser ‘supremo’. Seriam os procuradores”, sapecou Mendes, escancarando a queda-de-braço.
A soltura de Dirceu não foi um ato isolado. Os últimos movimentos protagonizados pela Segunda Turma do STF também contribuíram para erguer um varal de dúvidas quanto ao futuro da operação Lava Jato dentro da Corte. O alerta já havia sido aceso com a libertação do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal de Lula, e do ex-assessor parlamentar do PP, João Cláudio Genu, no último dia 25 de abril. Na ocasião, houve um revezamento pelo relaxamento das modalidades de prisão dos dois acusados. Gilmar Mendes, Celso de Melo e Dias Toffoli votaram para livrar completamente Bumlai, que estava em regime domiciliar. Enquanto Toffoli, Mendes e Lewandowski votaram por conceder o habeas corpus a Genu. Dias antes, na sexta-feira 28, Gilmar Mendes já havia mandado soltar o empresário Eike Batista, que agora cumpre prisão domiciliar em sua paradisíaca mansão no Rio. Mendes é, sem sombra de dúvidas, quem capitaneia a turma. Do ano passado para cá, intensificou as críticas à conduta da Lava Jato. Primeiro, reprovou os vazamentos os quais classificou como seletivos. Depois amplificou o tom dos ataques, batendo forte no tempo de longevidade das prisões preventivas.
Se for essa a tendência do Supremo, Gilmar à frente, um dos principais recursos utilizados pela Lava Jato para a elucidação de crimes de corrupção e a identificação de seus autores, que é a delação premiada, pode ser fulminado. Na esteira dos habeas corpus que libertaram Dirceu, Bumlai e Genu, o ex-ministro de Lula e Dilma, Antonio Palocci, puxou o freio de mão e deu um cavalo de pau na proposta de delação premiada. Na semana passada, ISTOÉ trouxe com exclusividade o roteiro da delação que estava sobre a mesa de negociações. Ia sobrar para todo mundo, de empresários a banqueiros, mas principalmente para o ex-presidente Lula, com quem Palocci teria negociado uma propina de 50% durante a criação da Sete Brasil – R$ 51 milhões. O novo cenário fez com que Palocci recuasse. Não o demoveu nem mesmo a decisão do relator Edson Fachin de transferir o mérito do pedido de revogação de sua prisão para o plenário do Supremo. O movimento que conferiu nitidez a sua intenção de voltar atrás na proposta de delação foi o encerramento do contrato com o escritório de Adriano Bretas, conhecido no mercado por ter trabalhado em defesa de outros alvos da Lava Jato.
A atuação da Segunda Turma do Supremo, hoje o caminho mais curto entre a cela da cadeia e a porta de saída do xadrez, também pode atiçar um Congresso Nacional que estava, digamos, anestesiado pela divulgação das delações da Odebrecht. Aos poucos, e à boca miúda, projetos como a anistia ao caixa dois, que livraria a pele de dezenas deles encalacrados com as denúncias dos executivos da empreiteira, voltam a ser comentados.
BOM SENSO Edson Fachin transferiu para o plenário a decisão pela soltura de Palocci
BOM SENSO Edson Fachin transferiu para o plenário a decisão pela soltura de Palocci (Crédito:Divulgação/STF)
Dirceu é diferente?
Para o professor de direito constitucional e coordenador do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas, Rubens Glezer, o STF trata casos de uma forma desigual. “Temos um Supremo que está bastante à vontade em não estabelecer regras rigorosas para si mesmo e que muda de posição com grande facilidade”, salienta. Essa desigualdade ecoa em um dado do Conselho Nacional de Justiça. Segundo o CNJ, dormitam atrás das grades 221 mil acusados presos preventivamente. Mas por que só Dirceu teve tratamento diferente? A mesma turma votou para manter presas pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses. O ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José Dirceu. Acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa, em 7 de fevereiro de 2017, teve sua prisão confirmada pela Segunda Turma. Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro votos. Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. É pena, mas a grande corrupção e o tráfico matam igualmente.
As incoerências da Segunda Turma
Gilmar Mendes e Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski foram contra a libertação de presos em situação de menor gravidade que a de Dirceu
O ex-prefeito de Redenção do Gurgueia (PI), Delano Parente
Não teve a mesma sorte do Dirceu. Desviou R$ 17 milhões do município e foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. No voto, Dias Toffoli afirmou: “O STF já assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar para resguardar a ordem pública”
Thiago Poeta, traficante
Preso há mais tempo que Dirceu (mais de 2 anos), para Thiago não houve leniência da Segunda Turma. Todos os ministros votaram pela manutenção da prisão. Gilmar Mendes repetiu a frase de Toffoli no julgamento anterior: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública”
Alef Saraiva, também traficante
Apesar de ser réu primário, Alef foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após um ano preso, seu habeas corpus foi negado pelo STF em dezembro de 2016
Histórico de solturas
Decisões de Gilmar Mendes
beneficiaram criminosos como o maior ficha suja do país, o médico acusado de cometer 50 crimes sexuais, além de políticos corruptos
Eike Batista
Em 28 de abril deste ano, concedeu habeas corpus a Eike Batista, acusado de pagar US$ 16,5 milhões ao ex-governador Sérgio Cabral como propina em troca de contratos
Daniel Dantas
Em 9 de julho de 2008, Gilmar Mendes soltou o banqueiro Daniel Dantas duas vezes na mesma semana, relaxando a prisão decretada pelo juiz Fausto de Sanctis
Roger Abdelmassih
O ex-médico foi acusado de 56 crimes sexuais contra suas pacientes. Mesmo assim, Gilmar concedeu a ele habeas corpus em dezembro de 2009. Gilmar era presidente do STF na época
Marcos Valério
Em 2009, soltou o publicitário Marcos Valério, suspeito de ter sido contratado pelo dono da Cervejaria Petrópolis, Walter Faria, para fabricar um inquérito falso contra agentes da Receita de SP