Capitaneada pelo ministro Gilmar Mendes, a Segunda Turma do STF se transformou, para os políticos encrencados na Lava Jato, no caminho mais curto entre a cela das cadeias e a porta de saída do xadrez. Acordão à vista?
Ary Filgueira - IstoE
Há dois anos, a conduta de crimes continuados de José Dirceu levou ao mesmo sentimento de indignação o ministro Gilmar Mendes e o juiz federal Sergio Moro. No dia 3 de agosto de 2015, quando o ex-chefe da Casa Civil do governo Lula foi preso pela Operação Lava Jato, Mendes fez o seguinte comentário sobre a prisão do ex-ministro: “O chocante é que, enquanto estávamos a julgar e a investigar o mensalão, essa prática criminosa estava permeando todas as atividades governamentais e administrativas”. Moro observou que o acusado “teria insistido” em receber dinheiro sujo oriundo de contratos fraudulentos da Petrobras mesmo após ter deixado o governo. Um ano e nove meses depois, Gilmar Mendes parece ter capitulado aos poderosos. Foi de Mendes o voto de minerva que libertou Dirceu da cadeia na terça-feira 2, diante de um empatado placar de dois votos pela manutenção da prisão, proferidos pelo relator do caso, ministro Edson Fachin, e pelo decano da casa, Celso de Mello, e dois pela liberdade do petista, dados por Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Um importante magistrado brasileiro, ligado à Lava Jato, teceu à ISTOÉ um sintomático questionamento sobre a decisão proferida pelos três ministros da liderados por Gilmar Mendes: estariam os magistrados da Suprema Corte do País celebrando uma estranha aliança entre a Justiça e a classe política destinada a pôr freios na Lava Jato, a libertar personagens políticos encalacrados e a impedir que mais excelências sejam mandadas para trás das grades? Essa dúvida só será dirimida mais adiante. O fato é que está consolidada uma maioria de votos na Segunda Turma do STF disposta a conter o ímpeto de Moro e Cia.
Se for essa a tendência do Supremo, Gilmar à frente, um dos principais recursos utilizados pela Lava Jato para a elucidação de crimes de corrupção e a identificação de seus autores, que é a delação premiada, pode ser fulminado. Na esteira dos habeas corpus que libertaram Dirceu, Bumlai e Genu, o ex-ministro de Lula e Dilma, Antonio Palocci, puxou o freio de mão e deu um cavalo de pau na proposta de delação premiada. Na semana passada, ISTOÉ trouxe com exclusividade o roteiro da delação que estava sobre a mesa de negociações. Ia sobrar para todo mundo, de empresários a banqueiros, mas principalmente para o ex-presidente Lula, com quem Palocci teria negociado uma propina de 50% durante a criação da Sete Brasil – R$ 51 milhões. O novo cenário fez com que Palocci recuasse. Não o demoveu nem mesmo a decisão do relator Edson Fachin de transferir o mérito do pedido de revogação de sua prisão para o plenário do Supremo. O movimento que conferiu nitidez a sua intenção de voltar atrás na proposta de delação foi o encerramento do contrato com o escritório de Adriano Bretas, conhecido no mercado por ter trabalhado em defesa de outros alvos da Lava Jato.
A atuação da Segunda Turma do Supremo, hoje o caminho mais curto entre a cela da cadeia e a porta de saída do xadrez, também pode atiçar um Congresso Nacional que estava, digamos, anestesiado pela divulgação das delações da Odebrecht. Aos poucos, e à boca miúda, projetos como a anistia ao caixa dois, que livraria a pele de dezenas deles encalacrados com as denúncias dos executivos da empreiteira, voltam a ser comentados.
Dirceu é diferente?
Para o professor de direito constitucional e coordenador do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas, Rubens Glezer, o STF trata casos de uma forma desigual. “Temos um Supremo que está bastante à vontade em não estabelecer regras rigorosas para si mesmo e que muda de posição com grande facilidade”, salienta. Essa desigualdade ecoa em um dado do Conselho Nacional de Justiça. Segundo o CNJ, dormitam atrás das grades 221 mil acusados presos preventivamente. Mas por que só Dirceu teve tratamento diferente? A mesma turma votou para manter presas pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses. O ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José Dirceu. Acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa, em 7 de fevereiro de 2017, teve sua prisão confirmada pela Segunda Turma. Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro votos. Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. É pena, mas a grande corrupção e o tráfico matam igualmente.
Para o professor de direito constitucional e coordenador do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas, Rubens Glezer, o STF trata casos de uma forma desigual. “Temos um Supremo que está bastante à vontade em não estabelecer regras rigorosas para si mesmo e que muda de posição com grande facilidade”, salienta. Essa desigualdade ecoa em um dado do Conselho Nacional de Justiça. Segundo o CNJ, dormitam atrás das grades 221 mil acusados presos preventivamente. Mas por que só Dirceu teve tratamento diferente? A mesma turma votou para manter presas pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses. O ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José Dirceu. Acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa, em 7 de fevereiro de 2017, teve sua prisão confirmada pela Segunda Turma. Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro votos. Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. É pena, mas a grande corrupção e o tráfico matam igualmente.
As incoerências da Segunda Turma
Gilmar Mendes e Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski foram contra a libertação de presos em situação de menor gravidade que a de Dirceu
Gilmar Mendes e Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski foram contra a libertação de presos em situação de menor gravidade que a de Dirceu
O ex-prefeito de Redenção do Gurgueia (PI), Delano Parente
Não teve a mesma sorte do Dirceu. Desviou R$ 17 milhões do município e foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. No voto, Dias Toffoli afirmou: “O STF já assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar para resguardar a ordem pública”
Não teve a mesma sorte do Dirceu. Desviou R$ 17 milhões do município e foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. No voto, Dias Toffoli afirmou: “O STF já assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar para resguardar a ordem pública”
Thiago Poeta, traficante
Preso há mais tempo que Dirceu (mais de 2 anos), para Thiago não houve leniência da Segunda Turma. Todos os ministros votaram pela manutenção da prisão. Gilmar Mendes repetiu a frase de Toffoli no julgamento anterior: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública”
Preso há mais tempo que Dirceu (mais de 2 anos), para Thiago não houve leniência da Segunda Turma. Todos os ministros votaram pela manutenção da prisão. Gilmar Mendes repetiu a frase de Toffoli no julgamento anterior: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública”
Alef Saraiva, também traficante
Apesar de ser réu primário, Alef foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após um ano preso, seu habeas corpus foi negado pelo STF em dezembro de 2016
Apesar de ser réu primário, Alef foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após um ano preso, seu habeas corpus foi negado pelo STF em dezembro de 2016
Histórico de solturas
Decisões de Gilmar Mendes
beneficiaram criminosos como o maior ficha suja do país, o médico acusado de cometer 50 crimes sexuais, além de políticos corruptos
Decisões de Gilmar Mendes
beneficiaram criminosos como o maior ficha suja do país, o médico acusado de cometer 50 crimes sexuais, além de políticos corruptos
Eike Batista
Em 28 de abril deste ano, concedeu habeas corpus a Eike Batista, acusado de pagar US$ 16,5 milhões ao ex-governador Sérgio Cabral como propina em troca de contratos
Em 28 de abril deste ano, concedeu habeas corpus a Eike Batista, acusado de pagar US$ 16,5 milhões ao ex-governador Sérgio Cabral como propina em troca de contratos
Daniel Dantas
Em 9 de julho de 2008, Gilmar Mendes soltou o banqueiro Daniel Dantas duas vezes na mesma semana, relaxando a prisão decretada pelo juiz Fausto de Sanctis
Em 9 de julho de 2008, Gilmar Mendes soltou o banqueiro Daniel Dantas duas vezes na mesma semana, relaxando a prisão decretada pelo juiz Fausto de Sanctis
Roger Abdelmassih
O ex-médico foi acusado de 56 crimes sexuais contra suas pacientes. Mesmo assim, Gilmar concedeu a ele habeas corpus em dezembro de 2009. Gilmar era presidente do STF na época
O ex-médico foi acusado de 56 crimes sexuais contra suas pacientes. Mesmo assim, Gilmar concedeu a ele habeas corpus em dezembro de 2009. Gilmar era presidente do STF na época
Marcos Valério
Em 2009, soltou o publicitário Marcos Valério, suspeito de ter sido contratado pelo dono da Cervejaria Petrópolis, Walter Faria, para fabricar um inquérito falso contra agentes da Receita de SP
Em 2009, soltou o publicitário Marcos Valério, suspeito de ter sido contratado pelo dono da Cervejaria Petrópolis, Walter Faria, para fabricar um inquérito falso contra agentes da Receita de SP