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A aposentada Joana Felipe, 64, fez exames no Corujão, mas não encontra medicamentos |
ANGELA PINHO - Folha de São Paulo
Após pouco mais de um mês em operação, o Corujão da Saúde, principal vitrine do prefeito João Doria (PSDB) para a área, cumpriu a missão de enxugar a fila de exames médicos em São Paulo.
Os pacientes, no entanto, continuam a esbarrar em antigos entraves da rede municipal, que não receberam a mesma atenção da gestão.
Em um mês de programa, foram realizados 141,3 mil exames, e outros 270 mil foram agendados para, no máximo, abril. Os procedimentos atenderão 485 mil pessoas que estavam na fila até dezembro do ano passado.
No entanto, após obter acesso ao diagnóstico pelo Corujão, parte dos pacientes continua sem atendimento: ou entrou em outra fila –a de consultas e cirurgias– ou não consegue encontrar os medicamentos de que precisa.
A dona de casa Cícera Maria da Silva Rocha, 65, fez uma tomografia de tórax nas primeiras horas do Corujão. Moradora do Jardim Porteira Grande, na zona leste paulistana, foi atendida por volta da 1h no hospital Oswaldo Cruz, na região central da cidade.
Ela esperava o exame desde julho do ano passado, quando, após uma gripe forte, fez um raio-x e descobriu uma mancha no pulmão. O horário incômodo não foi nada perto do alívio de sair da fila. "Fui muito bem atendida."
Sua busca para descobrir o que é a nódoa no pulmão, porém, continua. A consulta com o clínico geral que vai olhar o exame ficou só para o dia 9 de maio, quase quatro meses após a tomografia. "Mas está bom, pelo menos consegui marcar", diz, resignada.
Examinada no mesmo hospital que Cícera, apenas algumas horas antes, a aposentada Joana Rocha Felipe, 64, deu mais sorte que ela para descobrir o significado do seu diagnóstico.
Conseguiu mostrar o resultado a um médico do posto perto da sua casa, no Jardim Independência, na zona leste da cidade, e já sabe que não tem tumor no pulmão. A bronquite crônica e a depressão, porém, permanecem, e há um mês ela não encontra mais os medicamentos nas unidades.
"Estou morrendo de medo de ter alguma coisa na rua", diz. "Não tem nem dipirona no posto." O remédio broncodilatador ela conseguiu numa drogaria particular, mas só porque a gerente ficou com pena e comprou para ela do próprio bolso. "Assim que eu receber o dinheiro da aposentadoria vou lá pagar", diz.
Neste mês, o prefeito anunciou o programa Remédio Rápido para, segundo ele, facilitar o acesso a medicamentos. Trata-se de fechar as farmácias das unidades básicas de saúde e distribuir os medicamentos em estabelecimentos particulares conveniados.
Enquanto isso não acontece, porém, diversos pacientes relatam falta de medicamentos, inclusive os beneficiados pelo Corujão. "Em cinco dias saiu o resultado do meu exame, foi ótimo", diz a assistente de gestão Daiane Costa, 42. O antidepressivo setralina, porém, ela não consegue mais encontrar no posto. Sua tia também está sem os remédios para pressão e aspirina.
O segurança Adeildo Gomes dos Santos, 50, que dividiu com Doria os holofotes na inauguração do Corujão, também enfrenta o problema em casa. Os medicamentos para seu filho, que tem problemas neurológicos, estão em falta desde o início do ano.
No caso dele próprio, a tomografia, feita no HCor, revelou a necessidade de uma cirurgia para que ele recupere o olfato. "Passei na médica e ficaram de ligar até em 60 dias para marcar", diz. "Agora é torcer para eles terem boa vontade, porque, quando indicaram o exame, também falaram que ia levar 60 dias". Levou cinco meses.
'PALIATIVO'
Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, tanto os resultados positivos –o atendimento a quem estava na fila– como as dificuldades posteriores são decorrência do caráter paliativo do Corujão.
"Fica muito claro que é um programa de emergência para exames de radiologia, não mais que isso", diz. "A continuidade do tratamento precisa ser garantida."
Para ele, é preciso elevar a capacidade de resolução do atendimento primário e melhorar a atenção por especialistas. "Sem uma melhor gestão, a fila vai voltar", diz.
TODOS ATENDIDOS
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde disse que os pacientes estão sendo atendidos, e a distribuição de medicamentos seguem em processo de regularização.
Sobre o caso da dona de casa Cicera Maria da Silva Rocha, a pasta reconheceu que a consulta foi marcada para 9 de maio, quatro meses após o exame, mas disse que ela foi orientada a retornar à UBS Jardim Grimaldi para verificar a possibilidade de antecipar a consulta.
Segundo a nota, a paciente afirmou que, por questões pessoais, não terá como comparecer em março.
Em relação ao caso da aposentada Joana Rocha Felipe, a secretaria disse que a Coordenadoria Regional de Saúde Sudeste entrou em contato com ela nesta quinta-feira (16) "para esclarecer que o abastecimento de medicamentos está em processo de regularização".
Sobre o caso do segurança Adeildo Gomes dos Santos, afirma que ele recebeu do médico indicação de cirurgia de carne esponjosa nasal e que tem consulta pré-cirurgica marcada para a próxima quinta-feira (23).
A pasta disse que, dos dois remédios que o filho dele toma, um está disponível e o outro estará a partir da próxima segunda-feira, pois também está "em processo de regularização".
"Lembrando que em 8 de fevereiro, a prefeitura firmou parceria com laboratórios a fim de equacionar o desabastecimento de medicamentos nas farmácias", diz a nota da prefeitura da cidade.
Os gargalos no atendimento pós-Corujão também já estavam previstos pela prefeitura, que já desenhou etapas posteriores do programa, para consultas com especialistas e cirurgias.